CABEÇA DE PEDRA
Depois do portão
Sem
pai, nem mãe. Descobriu o verdadeiro sentido disso quando eles saíram
pelo portão, subiram a montanha, passaram pelo Cristo Redentor e
continuaram a caminhada para o mistério. Mas sempre viveu um pouco
distante, tanto fisicamente como de alma. Não lembra o motivo, mas
quando estavam juntos havia um silêncio que ele bebeu e carregou pela
vida até o dia em que despirocou sem motivo aparente. Nestes dias
dedicados a eles, hoje é para a mãe, ele olha uma foto que fez no
cemitério apoiado no túmulo onde um está ao lado do outro. Chorava.
Chora. Esquece a idiotice das propagandas que incentivam as vendas do
comércio na exploração do sentimento. De repente lembra que um dia foi à
igreja da vila e, criança, comprou uma enorme Bíblia com fios dourados
na capa e deu para ela como presente. A palavra. Hoje acha que estava
lhe passando o que tentaria um dia compreender na vida. Adiantava,
então, a declaração de amor ao humanismo, mesmo sem saber de nada. Sem
mãe, nem pai. Deu tanta cabeçada, envolveu tantas pessoas, rasgou a
alma, costurou, mergulhou no inferno, voltou, e conservou aquilo que
recebeu como se tivesse captado pela proximidade, mas sem o contato, sem
o carinho, sem o colo, sem o peito e a seiva da vida, mesmo porque ela
não tinha para dar ao filho - e deve ter sofrido com isso. Em silêncio
ele olhou e, anos depois, começou a ouvi-la. O rosto era triste, mas o
que saía da boca, paradoxalmente, era alegre, forte, irônico, de alguém
que também ficara todo tempo olhando e aprendera. Pelo menos a se
defender dos demônios internos, da tentativa de aniquilação pelas
contingências da vida. Com pai e com mãe. Ele depois descobriu.
Exatamente quando eles foram, um atrás do outro, caminhando do portão
para fora - e nunca mais voltaram.
FONTE: http://cabecadepedra1.blogspot.com.br/2013/05/do-portao-para-fora.html
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