domingo, 12 de maio de 2013

OS FILHINHOS DA ZEFA

Por  Roberto José da Silva

Precisava cuidar dele porque ele precisava ser cuidado. Chamava-o de Filhinho. Nosso pai. Que tinha a alma blindada e torturava-se por dentro, calado, semblante de pedra, porque não conseguia o gesto do amor. Ela sabia. Sabia que seus dois meninos se fariam homens porque prontos para as cabeçadas da vida. Sabia que sua demonstração de amor para aquele senhor nosso pai era a maior lição de vida, mesmo porque, como disse um dia, foi assim que aprendeu lá nos canfundós do sertão alagoano. Também não tinha o gesto, mas não precisava. Tinha a presença, a existência que salvou os três do mergulho no desconhecido, na revelação dos demônios internos, na perdição da procura de, quem sabe, aquilo que nasceu com ela. Paciente, olhar triste, resignada, mas com uma capacidade intelectual absurda para transformar em palavras certeiras, venenosas, alegres, uma situação. Era uma repentista do cotidiano a dar lições que ficaram impregnadas no DNA hoje captado em alguns dos quatro netos e, quem sabe?, se Deus quiser, na bisneta que não chegou a ver. Ela sabia e ficou feliz por sua obra entrar no prumo ao ver seus três homens sobreviventes. Ficou feliz ao receber uma carta do mais velho reconhecendo tudo o que ela e o Filhinho tinham dado para ele, isso depois do terceiro internamento, ou seja, a possibilidade de ter conseguido andar para aprender – e aí o fato de isso ter acontecido no bolsão da pobreza deste país é prova de que o chororô que se escuta normalmente é balela. Um dia, depois que os dois se foram, ele resgatou essa carta, escrita a máquina, e no meio dela, escrita em letras enormes, a mão, esferográfica de tinta azul, estava lá “os garranchos”, como ela mesmo dizia, registrando o que sempre se soube: “Eu te amo, meu filho”. Ela nunca disse isso, porque isso não se precisa dizer. Eu e meu irmão Ricardo, este artista que nos brinda com as obras de arte do quintal dela, dona Zefa, que ele cuida como nosso maior patrimônio, nós sempre soubemos disso – e é o que nos mantém, porque ela nos deu essa vida para isso.

FONTE:http://jornalenoticias.com.br/zebeto/?p=186648

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