Escorpião
Alugou o quarto vagabundo no hotelzinho que um dia foi o tal no centro da cidade. Era barato. Servia para vários propósitos. Um deles era nostálgico. Sempre passou ali e imaginou os velhos tempos que não voltam mais. Francisco Petrônio canta na mente dele de vez em quando. O outro era ficar fora de casa porque o uso da droga daquela maneira não era bem vista nem entre os drogados. Pagou, subiu, entrou no quarto, se trancou, preparou a primeira dose e o baque foi tão pesado que ele emborcou feito um pequeno navio que é alvejado na proa. Não era over, mas quase. Droga da boa, pensou. Boa para ter paranoia, que veio como se uma tropa de elite estivesse no corredor com armas apontadas e vontade de estourar a porta e metralhar. Tomou outra. Diminuiu a dose. Então ele viu um buraco no alto de uma parede. Imaginou ouvir vozes. Subiu na cama. Quis olhar. Não conseguiu. Ficou imaginando que do outro lado havia um casal ou vários. Não distinguia o que falavam. Eram vozes do passado. Tinha certeza. Daqueles que se recusaram a sair dali para viver o progresso da cidade. Ele concordou. E também ficou. Falando com o buraco da parede.
Zé da Silva
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