sexta-feira, 29 de agosto de 2014
CLAUDE MONET
Foi considerado um dos mais importantes pintores da escola impressionista. A exposição realizada em 1874 no estúdio parisiense do fotógrafo Nadar foi pejorativamente qualificada pela crítica como "impressionista" devido ao quadro de Monet ali exposto, "Impressão: o sol nascente". O nome impressionismo tornou-se corrente e Monet passou a ser considerado o chefe dessa escola, uma das mais importantes da história da pintura. Seu quadro encontra-se hoje no Museu Marmottan Monet, em Paris.
Claude Monet (1840-1926) nasceu em Paris, no dia 14 de novembro. Quando tinha cinco anos, sua família mudou-se para Sainte-Adresse, perto do Havre, e ali o futuro mestre começou a pintar. Com menos de 15 anos Monet já era conhecido em sua cidade por retratar personalidades importantes. Duas influências marcantes despertaram-lhe o interesse pela luz e pela cor: descobriu as gravuras do japonês Hokusai e a pintura de Eugène Boudin, que o iniciou na prática, então pouco comum, de realizar estudos da natureza ao ar livre.
Entre 1859 e 1860, o jovem pintor esteve em Paris, onde se entusiasmou com a escola de Barbizon, recusou-se a ingressar na Escola de Belas-Artes e preferiu visitar os locais frequentados pelos inovadores da época. Passou a trabalhar na Academia Suíça, onde conheceu Camille Pissarro, mas o serviço militar na Argélia interrompeu-lhe a experiência. Em 1862, Monet voltou a Paris para estudar no ateliê do academicista Charles Gleyre, onde conheceu Frédéric Bazille, Alfred Sisley e Renoir, de quem tornou-se amigo e formou o grupo de impressionistas.
Levava então vida nômade e de frequentes dificuldades, apesar do sucesso do retrato de "Camille Doncieux", sua mulher, ou de "A Varanda à Beira Mar Perto do Havre" (1866). Para evitar a guerra Franco-Prussiana, Monet foi para Londres, onde fez contato com representantes das vanguardas francesas e com o marchand Paul Durand-Ruel, mais tarde seu agente. Em Londres pinta a série "Parlamento".
De volta à França, Monet instalou-se em 1876, em Argenteuil, à margem do Sena, e realizou suas mais famosas séries, como "A Estação de Saint-Lazare" (1877), "Os Álamos" (1891) e "A Catedral de Rouen" (1892), em que as mesmas cenas foram representadas em horas diversas, em diferentes condições de luz. Em sua casa em Giverny, também perto do Sena, a partir de 1883 Monet cultivou nenúfares, motivo de seus últimos quadros, como a série "Ninféias", pintada quando o artista já sofria graves distúrbios de visão.
Monet morreu em Giverny, em 5 de dezembro de 1926.
O FIM É LINDO
Fabrício Carpinejar
Minha casa é estranhamente regulada. Quando uma lâmpada queima, as outras vão junto. É um boicote que aumenta em minutos para testar a paciência. O gás da cozinha falta bem no momento da janta, e logo de madrugada, com o objetivo de me constranger ao telefone com uma lista infindável de entregadores. Se o computador estraga, o chuveiro também e o microondas sofre problemas de circuito. Confio que os aparelhos se imitam e conversam entre si. Devem reivindicar melhores condições de trabalho e uso, cobrar insalubridade, ou estão cansados das extensões e da sobrecarga indevidas. O certo é que minha casa é grevista. Insurgente. Nunca acontece de algo quebrar isoladamente.
Cheguei a minha residência depois de uma série de viagens. E mal acendi a luz, puf, puf, puf. Meu dedo estalou em cada interruptor. Teve até choque. Foi patético, para não dizer desanimador. Corredores mexendo as sombras, as paredes escorrendo a cegueira.
Mas, um pouco antes de explodirem, as lâmpadas aumentaram sua fosforescência. Puxaram todo o resto de força para refulgirem a extinção. Estenderam seus aros como nunca antes, com a potência de um refletor.
O mesmo ocorreu com o gás de cozinha, a chama das bocas subiu com perigosa curiosidade. Poderia ouvir o fogo gemer. Ele escurecia as bordas das panelas com sua assinatura. Quase formava os dedos de uma mão.
Conclui que o fim é lindo.
Assim como as luzes da casa e do fogão, o amor perto do desastre não se economiza. Não mais se contém. É desesperadamente transparente.
Um casal diante do fim terá a grande noite de sua vida por não prever uma próxima. Sairá do esconderijo porque não se vê mais seguro. Mostrará do que é capaz. Queimará o que guardou, não fará mais nenhum jogo, esquecerá a sedução e os conselhos dos amigos. Mais intensidade do que intenção.
É o escândalo da verdade. Tímidos se transformam em terroristas, calmos ficam enervados, pacientes se portam como histéricos. Por um instante, não há medo de fazer as propostas mais desvairadas, confessar palavras reprimidas, estender os olhos como um lençol limpo.
O fim é lindo. Do crepúsculo, de uma vela, de uma chuva. O fim é esperançoso, exigente. Pancadas de beleza. O som e o sol pulam como um suicida ao avesso para dentro da vida.
Fabrício (Carpi Nejar) Carpinejar nasceu em Caxias do Sul – RS, em 23 de outubro de 1972, filho do poeta Carlos Nejar. É mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
quinta-feira, 28 de agosto de 2014
PREVENÇÃO CONTRA ASSALTOS
Millôr Fernandes
Como os assaltos crescem dia-a-dia, não podendo contê-los, a PM, sabiamente, dá conselhos aos cidadãos para serem menos assaltados:
1) Não demonstre que carrega muito dinheiro.
2) Jamais deixe objetos à vista, dentro do carro.
3) Levante todos os vidros, mesmo em movimento.
4) Não deixe documentos no veículo.
5) Na volta, ao se aproximar do carro, verifique se não há alguém suspeito por perto.
6) Não leve objetos de valor nem muito dinheiro para a praia.
7) Se, ao ir à praia, for de carro, coloque o veículo num ponto em que fique ao alcance de sua vista.
8) À noite, em locais escuros, use faróis altos.
9) Não dirija com o braço fora do carro.
10) Ao chegar em casa e antes de descer para abrir o portão, ou esperar por isso, verifique se não há pessoas suspeitas por perto.
11) À noite não se deixe aproximar por veículos com mais de dois homens.
12) Se assaltado, fique calmo. Não faça movimentos bruscos e evite encarar os assaltantes. Não discuta nem reaja.
13) Evite aglomerações. Nos locais em que todos se acotovelam os punguistas agem.
Depois de ler com extrema atenção estas instruções oficiais, acrescento as minhas, ou melhor, resumo:
1) Não saia de casa.
2) Se possível, não saia do quarto.
3) De preferência, não saia do cofre.
Texto extraído do livro "Que país é este?", Editorial Nórdica Ltda. — Rio de Janeiro, 1978, pág.113.
quarta-feira, 27 de agosto de 2014
terça-feira, 26 de agosto de 2014
BARÃO DE ITARARÉ
Apparício Fernando de Brinkerhoff Torelly (1895-1971)
- O uísque é uma cachaça metida a besta.
- O que se leva desta vida é a vida que a gente leva.
- A criança diz o que faz, o velho diz o que fez e o idiota o que vai fazer.
- Os homens nascem iguais, mas no dia seguinte já são diferentes.
- Dizes-me com quem andas e eu te direi se vou contigo.
- A forca é o mais desagradável dos instrumentos de corda.
- Sábio é o homem que chega a ter consciência da sua ignorância.
- Não é triste mudar de ideias, triste é não ter ideias para mudar.
- Mantenha a cabeça fria, se quiser ideias frescas.
- O tambor faz muito barulho, mas é vazio por dentro.
- Genro é um homem casado com uma mulher cuja mãe se mete em tudo.
- Neurastenia é doença de gente rica. Pobre neurastênico é malcriado.
- De onde menos se espera, daí é que não sai nada.
- Quem empresta, adeus.
- Pobre, quando mete a mão no bolso, só tira os cinco dedos.
- O banco é uma instituição que empresta dinheiro à gente se a gente apresentar provas suficientes de que não precisa de dinheiro.
- Tudo seria fácil se não fossem as dificuldades.
- A televisão é a maior maravilha da ciência a serviço da imbecilidade humana.
- Este mundo é redondo, mas está ficando muito chato.
- O casamento é uma tragédia em dois atos: um civil e um religioso.
- A alma humana, como os bolsos da batina de padre, tem mistérios insondáveis.
- Eu Cavo, Tu Cavas, Ele Cava, Nós Cavamos, Vós Cavais, Eles Cavam. Não é bonito, nem rima, mas é profundo…
- Tudo é relativo: o tempo que dura um minuto depende de que lado da porta do banheiro você está.
- Nunca desista do seu sonho. Se acabou numa padaria, procure em outra!
- Devo tanto que, se eu chamar alguém de “meu bem”, o banco toma!
- Viva cada dia como se fosse o último. Um dia você acerta…
- As duas cobras que estão no anel do médico significam que o médico cobra duas vezes, isto é, se cura, cobra, e se mata, cobra.
- O voto deve ser rigorosamente secreto. Só assim, afinal, o eleitor não terá vergonha de votar no seu candidato.
- Quem não muda de caminho é trem.
CABEÇA DE PEDRA
Barriga
CABEÇA DE PEDRA: http://cabecadepedra1.blogspot.com.br/2014/08/barriga.html
sábado, 23 de agosto de 2014
GRANDES ÁLBUNS
PÂNICO EM SP
INOCENTES
Escrito por Tiago Ferreira
Um dos maiores clássicos do punk nacional decidiu focar as críticas contra a passividade de personagens da megalópole e – claro – também ao establishment.
Se for realizada uma enquete com 20 discos para entender São Paulo, reclame se não tiver Pânico em SP na lista. Esse disco tem apenas 6 faixas e causou controvérsias no ano de seu lançamento, já que foi o primeiro do punk nacional lançado por uma grande gravadora multinacional – a Warner.
O contato do grupo Inocentes com a gravadora surgiu quando Branco Mello (Titãs) levou uma fita demo com faixas de Miséria e Fome, o primeiro registro deles (que, das 14 faixas, teve 10 delas censuradas). Com isso, muitos fãs da banda afirmaram que eles teriam se vendido, mas o conteúdo pesado do disco nega qualquer influência externa de executivos.
Além de Clemente, completava a banda naquela época o guitarrista Ronaldo Passos (que toca com o grupo até hoje), o baixista André Parlato e o baterista Tonhão Parlato.
As influências claras do som da banda paulistana são New York Dolls, MC5 e Ramones. Funciona mais ou menos como um passeio de Dee Dee Ramone nos lugares mais periféricos da cidade. E aí, vale lembrar que na década de 1980 a cidade ainda estava longe de se tornar desenvolvida. Corrupção e negligência do governo instauraram o caos, dando voz para a música de artistas que precisavam expelir sua fúria de alguma forma. O rap florescia, o rock estava ganhando uma roupagem forte – e a cidade de São Paulo era alvo de críticas por todos os lados no campo artístico.
Pânico em SP é um clássico porque além de contextualizar o que rolava na cidade, mostra fatos inegáveis de personagens metropolitanos. “Rotina” vocifera a impossibilidade de manter um padrão de vida tedioso, com trabalho insuportável, filhos, família e a TV, que diz “o que fazer”. É uma crítica direta ao establishment, mas não se esconde a idiossincrasia: que outra visão de família e estabilidade teria um grupo de punks em início de carreira? Só que, sem cair no erro de achar que é uma opinião massiva de jovens, o ataque direto é contra a vontade da população de mudar alguma coisa, já que o país (tampouco São Paulo) não vivia seus melhores momentos econômicos.
“Não importa o que façam”, diz Clemente em “Não Acordem a Cidade”, que fala do alastramento e da facilidade de conseguir drogas em qualquer canto da cidade: “Em cada esquina que você passar/Em cada beco que você olhar/Não se espante/Eles vão estar lá”. Isso acontece até hoje, com a diferença de que a repressão parece ser um pouco menor. Ou, pelo menos, é a impressão que fica com as aparências.
Para fechar, a faixa-título que, até hoje, é considerada um dos maiores clássicos do punk nacional. A linha instrumental que inicia a música é pulsante e muito bem construída, o que remonta ao primeiro disco do The Clash. Os Inocentes disparam críticas aos meios de comunicação, força policial e governantes que, juntos, formam o aparato essencial para o declínio de uma cidade acinzentada pelo espectro do pânico. “Mas o que eles não sabiam/Aliás o que ninguém sabia/Era o que estava acontecendo/Ou o que realmente acontecia”, canta Clemente em “Pânico em SP”, dizendo o que acontecia com boa parte dos cidadãos paulistanos.
Clássico absoluto, Pânico em SP é uma obra bem maior do que seus 18 minutos de duração. Ainda hoje, 26 anos depois de seu lançamento, permanece essencial para contextualizar a maior metrópole brasileira.
Se for realizada uma enquete com 20 discos para entender São Paulo, reclame se não tiver Pânico em SP na lista. Esse disco tem apenas 6 faixas e causou controvérsias no ano de seu lançamento, já que foi o primeiro do punk nacional lançado por uma grande gravadora multinacional – a Warner.
O contato do grupo Inocentes com a gravadora surgiu quando Branco Mello (Titãs) levou uma fita demo com faixas de Miséria e Fome, o primeiro registro deles (que, das 14 faixas, teve 10 delas censuradas). Com isso, muitos fãs da banda afirmaram que eles teriam se vendido, mas o conteúdo pesado do disco nega qualquer influência externa de executivos.
Do EP anterior, os Inocentes gravaram novamente “Salvem El Salvador”, levado em uma pegada ska, mas que ganhou uma versão ainda mais agressiva com as linhas de guitarra aceleradas por Clemente Nascimento, que antes tocava com o também pioneiro no punk Restos de Nada.
Além de Clemente, completava a banda naquela época o guitarrista Ronaldo Passos (que toca com o grupo até hoje), o baixista André Parlato e o baterista Tonhão Parlato.
As influências claras do som da banda paulistana são New York Dolls, MC5 e Ramones. Funciona mais ou menos como um passeio de Dee Dee Ramone nos lugares mais periféricos da cidade. E aí, vale lembrar que na década de 1980 a cidade ainda estava longe de se tornar desenvolvida. Corrupção e negligência do governo instauraram o caos, dando voz para a música de artistas que precisavam expelir sua fúria de alguma forma. O rap florescia, o rock estava ganhando uma roupagem forte – e a cidade de São Paulo era alvo de críticas por todos os lados no campo artístico.
Pânico em SP é um clássico porque além de contextualizar o que rolava na cidade, mostra fatos inegáveis de personagens metropolitanos. “Rotina” vocifera a impossibilidade de manter um padrão de vida tedioso, com trabalho insuportável, filhos, família e a TV, que diz “o que fazer”. É uma crítica direta ao establishment, mas não se esconde a idiossincrasia: que outra visão de família e estabilidade teria um grupo de punks em início de carreira? Só que, sem cair no erro de achar que é uma opinião massiva de jovens, o ataque direto é contra a vontade da população de mudar alguma coisa, já que o país (tampouco São Paulo) não vivia seus melhores momentos econômicos.
“Não importa o que façam”, diz Clemente em “Não Acordem a Cidade”, que fala do alastramento e da facilidade de conseguir drogas em qualquer canto da cidade: “Em cada esquina que você passar/Em cada beco que você olhar/Não se espante/Eles vão estar lá”. Isso acontece até hoje, com a diferença de que a repressão parece ser um pouco menor. Ou, pelo menos, é a impressão que fica com as aparências.
Para fechar, a faixa-título que, até hoje, é considerada um dos maiores clássicos do punk nacional. A linha instrumental que inicia a música é pulsante e muito bem construída, o que remonta ao primeiro disco do The Clash. Os Inocentes disparam críticas aos meios de comunicação, força policial e governantes que, juntos, formam o aparato essencial para o declínio de uma cidade acinzentada pelo espectro do pânico. “Mas o que eles não sabiam/Aliás o que ninguém sabia/Era o que estava acontecendo/Ou o que realmente acontecia”, canta Clemente em “Pânico em SP”, dizendo o que acontecia com boa parte dos cidadãos paulistanos.
Clássico absoluto, Pânico em SP é uma obra bem maior do que seus 18 minutos de duração. Ainda hoje, 26 anos depois de seu lançamento, permanece essencial para contextualizar a maior metrópole brasileira.
sexta-feira, 22 de agosto de 2014
O fotógrafo que ama este planeta, sua gente e seus bichos
por Célio Heitor Guimarães
Sebastião Salgado, depois de conviver mais de quatro décadas com os animais, concluiu que os bichos não têm nada de irracionais. Está convencido de que eles são tão racionais quanto nós, os chamados humanos. Se não mais.
Sebastião garante que os animais temem e atacam os humanos porque sabem que somos maus. E afirma que para convivermos com eles precisamos apenas aprender a conhecê-los e a eles demonstrar que também podemos ser, apesar de tudo, pacíficos e inofensivos.
No início do último domingo, Salgado contou a Roberto D’Avila – sem dúvida, o melhor entrevistador da tevê brasileira – que somente conseguiu fotografar de perto uma tartaruga gigantesca de Galápagos quando passou a rastejar como ela e em torno dela, dias a fio. O mesmo aconteceu com os crocodilos. Usando o mesmo método, com paciência e coragem, logrou aproximar-se de um bando de répteis, que não apenas consentiram com a aproximação como – jura – riram dele. E posaram com tranquilidade profissional.
Sebastião Salgado, para quem não sabe, é um sujeito extraordinário. Não apenas porque dedicou a vida correndo o mundo para registrar, em imagens de qualidade inigualável, na grandeza do preto-e-branco e sempre com a maior dignidade, o planeta Terra e as múltiplas facetas da vida sobre ele, sejam elas alegres, tristes, chocantes ou comoventes. Sebastião é um brasileiro que orgulha o Brasil. Mais: é uma pessoa que honra o ser humano.
Não obstante, é de uma simplicidade e de uma autenticidade desconcertantes. Nasceu (em 1944) em Aimorés, Minas Gerais, e apesar de ser hoje um cidadão do mundo, nunca perdeu o jeitinho mineiro. Fala manso e sabe o que diz. Formou-se em economia, mas acabou fotógrafo e fez da fotografia a sua vida. Garante que para tirar boas fotos é preciso ser paciente e sentir muito prazer. Já trabalhou para as maiores agências do mundo e recebeu os maiores prêmios concedidos ao fotojornalismo, mas a sua grande obra está reunida em publicações como Terra (1997), Trabalhadores (1997), Outras Américas (1999), Êxodos (2000), África (2007) e Gênesis (2013).
Sebastião ama a África tanto quanto o Brasil. Lá viu de muito perto pobreza, sofrimento, tragédia, ódio e violência. Nada pôde fazer. Era apenas um fotógrafo. Mas fez o registro. Achava que era a sua obrigação e que o mundo todo devia saber o que acontecia ali, ainda que soubesse que nenhuma foto, sozinha, pode mudar o que quer que seja na pobreza do mundo. No entanto, assegura que não trabalha com a miséria, mas com as pessoas mais pobres, pois elas são ricas em dignidade e buscam, de forma criativa, uma vida melhor. “Quero com isso provocar um debate” – destaca.
Foi na África de 1994, na época do grande genocídio de Ruanda, às margens do rio que separa o país da Tanzânia, que Sebastião quase foi morto. De repente, ele se viu cercado por guerrilheiros tutsis armados de enormes facões. O guia que acompanhava o fotógrafo empalideceu. Ao indagar dele o que ocorria, recebeu uma resposta que o gelou: “Eles estão achando que você é francês e aliado da facção hutu. Vão executá-lo”. Os hutus eram inimigos de morte dos tutsis. Sebastião agiu rápido: retirou do bolso o passaporte brasileiro e anunciou que era “do Brasil, da terra de Pelé”. Bastou os combatentes ouvirem o nome de Pelé para que a cena se modificasse. A descontração foi imediata e a ameaça se transformou em congraçamento. Talvez Pelé tenha demorado a saber, mas Sebastião Salgado faz questão de contar que ele lhe salvou a vida. No coração da velha África.
No Brasil, Sebastião tem missão diferente. Herdou dos pais um pedaço de terra no interior de Minas e, com a ajuda de Lélia, sua mulher, resolveu transformá-lo no primeiro parque nacional em terras completamente degradadas. Pretende rearborizar tudo com espécies da flora nativa. Era mais uma de suas utopias e vai levando o projeto adiante. É o seu Instituto Terra, que já começa a dar frutos: tem um viveiro com capacidade para um milhão de plantas por ano, das mais diversas espécies, que já começou a fornecer mudas para os programas ecológicos de Minas Gerais e do Espírito Santo. Faz mais: oferece orientação a guardas florestais, agricultores e prefeitos. E acolhe crianças de escolas da região, procurando sensibilizá-las, desde pequenas, para o problema do desmatamento.
A história pessoal de Sebastião Salgado é muito bonita. Mas ainda, de certa forma, desconhecida do público brasileiro. A jornalista francesa Isabelle Francq resolveu fazê-lo falar através da escrita dela. O resultado está em um pequeno volume, em descompasso com a grandeza do personagem: Sebastião Salgado – Da minha terra à Terra, edição nacional do original francês da Editora Paralela, presente nas boas livrarias e que recomendo com entusiasmo.
FONTE: http://www.zebeto.com.br/o-fotografo-que-ama-este-planeta-sua-gente-e-seus-bichos/#.U_eza_ldUvg
quinta-feira, 21 de agosto de 2014
terça-feira, 19 de agosto de 2014
MANOEL DE BARROS
Tratado geral das grandezas do ínfimo
A poesia está guardada nas palavras — é tudo que eu sei.
Meu fado é o de não saber quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
Não tenho conexões com a realidade.
Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei emocionado.
Sou fraco para elogios.
MORTE E ESPERANÇA
por Ticiana Vasconcelos Silva
Noite de núpcias depois da dança
Sonhos lúcidos e laços de vingança
Cores frias
Vozes mudas
Mãos vazias
Não guardo nem mesmo a lembrança...
Quero mais a ausência do que a distância
Faço navios para desancorar as mudanças
Atravesso mares e mergulho na esperança
Espero a gradual dissolução das areias no mar
Até que não possa mais esperar
Até que não possa mais chorar
Até que não possa mais sentir a sua presença
Até que
Eu possa simplesmente te olhar
Sem te amar
FONTE: http://paradoxodoser.blogspot.com.br/2014/08/morte-e-esperanca.html
Sonhos lúcidos e laços de vingança
Cores frias
Vozes mudas
Mãos vazias
Não guardo nem mesmo a lembrança...
Quero mais a ausência do que a distância
Faço navios para desancorar as mudanças
Atravesso mares e mergulho na esperança
Espero a gradual dissolução das areias no mar
Até que não possa mais esperar
Até que não possa mais chorar
Até que não possa mais sentir a sua presença
Até que
Eu possa simplesmente te olhar
Sem te amar
FONTE: http://paradoxodoser.blogspot.com.br/2014/08/morte-e-esperanca.html
quinta-feira, 14 de agosto de 2014
CABEÇA DE PEDRA
Em miúdos
Viu pela primeira vez quando era criança. Matadouro. O bicho entrava no corredor como se do outro lado estivesse o pasto mais verde e tenro do Planeta. De repente a marreta descia bem no meio da testa – e tudo estava acabado. Mais um pouco e ele estava esquartejado e pendurado em ganchos nos açougues da cidade de porte médio. A cena foi tão forte que produziu o seguinte: alguns anos depois o rapaz empunhava aquela mesma marreta; e o som da pancada soava como música para a alma dele. Era um especialista renomado, mesmo porque não errava uma. Mas não comia carne. Ninguém perguntava o motivo. Num dia de folga encontrou a amada no parque de diversões. Ficaram encantados um pelo outro. Na primeira oportunidade ele levou-a para conhecer a sua profissão. Ela desmaiou antes de a marreta atingir o meio dos olhos do bicho. Quando acordou, ele perguntou o que tinha acontecido. Ela: “Trocando em miúdos, coração, por favor”.
CABEÇA DE PEDRA: http://cabecadepedra1.blogspot.com.br/2014/08/em-miudos.html
quarta-feira, 13 de agosto de 2014
A MORTE
A morte vem de longe
Do fundo dos céus
Vem para os meus olhos
Virá para os teus
Desce das estrelas
Das brancas estrelas
As loucas estrelas
Trânsfugas de Deus
Chega impressentida
Nunca inesperada
Ela que é na vida
A grande esperada!
A desesperada
Do amor fratricida
Dos homens, ai! dos homens
Que matam a morte
Por medo da vida.
VINICIUS DE MORAES
Rio de Janeiro , 1954
domingo, 10 de agosto de 2014
A cisma do Zé Luis, meu pai
Por Roberto José da Silva, meu irmão
José Antonio da Silva, o Zé Luis, e eu
Ele era seco, sorria pouco, tinha o olhar duro, como escreveria Raymond Chandler se o conhecesse, mas era tão especial que conseguiu atravessar toda uma vida vencendo e não se entregando a uma depressão tão forte que não lhe permitiu vivenciar o lado bom. Passou os últimos anos preso a uma cadeira de rodas, vítima que foi de uma doença degenerativa, mas até o fim sempre dizia ter esperança de um dia voltar a andar. Suportou a dor de ver sua mulher ir embora bem antes dele – e foi a primeira vez que o vi desesperado, pouco antes de o caixão ser fechado. Se transformava totalmente nos poucos momentos que teve ao lado dos netos. As crianças faziam a mágica de arrancar-lhe a couraça que parecia intransponível. Compreendi-o só depois dos quarenta anos, após ter me perdido na tentativa de me achar com as drogas. A primeira coisa que fiz ao retomar o controle da vida foi escrever uma carta agradecendo tudo o que ele me deu: a vida, a saúde, o caminho da educação, enfim, por ele ter me salvado, mesmo sem saber. Quando fui visitá-lo depois disso, lhe dei o primeiro beijo. Anos depois, ao regressar à origem, Palmeira dos Índios, sua terra, ele me beijou – algo que jamais imaginei que iria acontecer. Meu pai me ensinou sem falar, sem dar ordens, sem me colocar no colo, sem me fazer cafuné, sem me dar presentes. Foi trabalhador, era honesto ao ponto de nunca comprar a prestação com medo de não ter dinheiro no futuro e não honrar o compromisso. Uma das grandes lições que passou foi pelo motivo de ter trocado o Rio de Janeiro maravilhoso dos anos 40, para onde veio, por São Paulo do início dos anos 50. Trabalhava num bar e restaurante que era ponto de encontro de artistas como Grande Otelo, Chico Anysio, em Botafogo. Começou a namorar a Zefinha na Cidade Maravilhosa, foi para Alagoas só para casar, voltou e se mandou para o início da era da industrialização na capital paulista. Nunca entendi a troca – e um dia perguntei, pois ele tinha tudo para se tornar dono de negócio na então capital federal, mas foi ser operário no outro estado. A resposta veio rápida e impossível de ser contestada: “Cismei”. Eu e meu irmão Ricardo Silva também cismamos de vez em sempre. Amém.
quarta-feira, 6 de agosto de 2014
NO PAÍS DAS BESTAS-FERA
por Roberto José da Silva
E olhamos tudo com a ingenuidade e a passividade que resulta sempre em amputações. Arrancam nossos braços a dentadas e riem debochados sob o disfarce da seriedade e a desfaçatez de que estão trabalhando para o nosso bem. Arrancam nossos corações e ainda pedem mais comida, porque são feras, ou melhor, bestas-feras insaciáveis.
Estão protegidos pelas grades do que chamam poder, pairam acima do bem e do mal, elaboram leis que os protegem da turba que está ali, do outro lado, passiva pela ignorância da falta de senso crítico, a assistir diariamente o espetáculo dantesco como se fosse mais um show televisivo com estes artistas que se enganam com a própria enganação.
Há, sim, uma primeira barreira que não pode ser ultrapassada sob o risco da violência das forças policiais que protegem estes seres para a manutenção da lei e da ordem. Mas eles, sim, eles podem avançar para se alimentar do sangue, do suor, do fruto do trabalho da manada de seres que estão ali como que, lobotomizados, estão ali hipnotizados pela beleza enganadora e os rugidos destes bichos.
Em períodos como o de agora, quando precisam do aval dos idiotas para se manterem naquela posição, como seres transformistas, aparecem como gatinhos indefesos ou anjos salvadores. Depois de conseguirem o que querem, voltam a ser bestas-feras.
O público, ah, esse continua sendo o menino ingênuo constantemente atacado sem saber que pode mudar tudo pelo simples fato de que um animal não tem o que fazer quando confrontado por todos de uma vez.
*Publicado no site A Gralha (www.agralha.com.br)
E olhamos tudo com a ingenuidade e a passividade que resulta sempre em amputações. Arrancam nossos braços a dentadas e riem debochados sob o disfarce da seriedade e a desfaçatez de que estão trabalhando para o nosso bem. Arrancam nossos corações e ainda pedem mais comida, porque são feras, ou melhor, bestas-feras insaciáveis.
Estão protegidos pelas grades do que chamam poder, pairam acima do bem e do mal, elaboram leis que os protegem da turba que está ali, do outro lado, passiva pela ignorância da falta de senso crítico, a assistir diariamente o espetáculo dantesco como se fosse mais um show televisivo com estes artistas que se enganam com a própria enganação.
Há, sim, uma primeira barreira que não pode ser ultrapassada sob o risco da violência das forças policiais que protegem estes seres para a manutenção da lei e da ordem. Mas eles, sim, eles podem avançar para se alimentar do sangue, do suor, do fruto do trabalho da manada de seres que estão ali como que, lobotomizados, estão ali hipnotizados pela beleza enganadora e os rugidos destes bichos.
Em períodos como o de agora, quando precisam do aval dos idiotas para se manterem naquela posição, como seres transformistas, aparecem como gatinhos indefesos ou anjos salvadores. Depois de conseguirem o que querem, voltam a ser bestas-feras.
O público, ah, esse continua sendo o menino ingênuo constantemente atacado sem saber que pode mudar tudo pelo simples fato de que um animal não tem o que fazer quando confrontado por todos de uma vez.
*Publicado no site A Gralha (www.agralha.com.br)
terça-feira, 5 de agosto de 2014
CABEÇA DE PEDRA
Na cabeça
No plantão o enfermeiro vê o senhor de olhos esbugalhados entrar com uma criança no colo. Ele diz que ela precisa de socorro. Ela não precisa de socorro. Está morta. Uma parte do couro cabeludo caiu para a testa e lhe cobre os olhos. O tampo do crânio sumiu, deixando o que restou do cérebro à mostra. O homem entrega a criança e sai em disparada. Um carro da polícia freia na frente do pronto socorro. Prendem o velho, que não oferece resistência. Era o avô do bebê. Os policiais depois contaram o que várias testemunhas viram. O velho segurou a criança com uma mão, ergueu-a para o alto e deu-lhe um tiro na cabeça com o revólver. Não estava bêbado, não estava alucinado, não estava nada. Fez, como se fosse a coisa mais normal. O enfermeiro começou a chorar quando ouviu isso. Já tinha visto de tudo naqueles plantões, mas ainda não tinha conhecido o lado escuro e perverso da alma humana.
CABEÇA DE PEDRA: http://cabecadepedra1.blogspot.com.br/
DEATH PROOF
À Prova de Morte
(2007, Quentin Tarantino)
Por um cinema de película
O auge que À Prova de Morte atinge no final de seu primeiro ato, quando o protagonista feito por Kurt Russel mata, com seu carro, as garotas que achávamos serem também protagonistas, é de fato o símbolo do cinema que Tarantino vem fazendo pelo menos desde Kill Bill (2003/ 2004): uma obra sem limites, na qual toda lógica apresentada é uma lógica puramente cinética, reconstitutiva de um mundo perdido. É também uma aula a primeira metade de À Prova de Morte. Em Kill Bill Vol. 2, Tarantino “gastava” aproximadamente uma hora de projeção para resolver o conflito final (Noiva x Bill). Em À Prova de Morte, a reconstrução de uma época e atmosfera tipicamente erigida pelo estragar da película é aquilo que “toma o tempo”, simplesmente porque o trabalho do diretor, neste filme, é colocar de volta um certo papel importante da película para a realização do sentido visual do filme.
Sobretudo porque é neste filme que haverá, ainda com mais força do que em Kill Bill, uma ideia de que o cinema invade tudo. Aqui, é um carro de cinema que será a arma de um assassinato brutal. Já aí essa intrusão, essa coisa que não é de outro mundo, mas, sim, de um outro mundo. Era sobretudo também, a um mundo de cinema que correspondia o contrapeso ideal a um mundo de outro tipo de cinema (o universo habitado por Russel e aquele, totalmente diverso, vivido pelas garotas do primeiro ato). Se Tarantino passava uma hora de projeção inebriado com a recriação do filme copiado de outros filmes, a segunda metade de À Prova de Morte corresponde a uma virada de mesa.
É que para que o Stuntman Mike de Kurt Russel tenha seu merecido castigo, depois de todo o despautério – ainda pior do que Kill Bill, já antecipando o nível de Bastardos Inglórios (2009) – é necessário o surgimento, na segunda parte do filme, de outras vítimas. Na verdade, estas vítimas são, como o personagem de Russel, dublês de cenas de ação. O olhar de Tarantino é ainda mais generoso ao dar a Zoe Bell o papel de si mesma (que, convenhamos, é caríssimo, já que ela protagonizou as cenas perigosas de Kill Bill, como dublê de Uma Thurman) no confronto contra Stuntman Mike. Mas aí temos outra “invasão” do cinema. Na verdade, não é só a profissão igual dos antagonistas que fará com que Mike receba o que merece. É outra coisa. Zoe e Lee (Mary Elizabeth Winstead), antes de serem dublês e entenderem da profissão, possuem o mesmo conhecimento cinematográfico de Mike (e Tarantino, claro), ou seja, conhecem Vanishing Point, Dirty Mary Crazy Larry entre outros filmes. É como se Tarantino desse ao contracampo representado pelas garotas uma verdadeira batalha de conhecimento cinematográfico e, claro, físico, já que o mais lógico seria a vinda de um outro olhar para o cinema (o olhar do verdadeiro dublê: Zoe Bell) para confrontar aquele já conhecido (o do invencível Kurt Russel nos filmes de John Carpenter, que agora interpreta tudo o que talvez não tenha sido nesses filmes).
À Prova de Morte parece ser também a extensão exata de Jackie Brown (1997) e Kill Bill no que toca à alternância do papel feminino, que agora desenvolve a trama e a domina, certamente, até mesmo com mais força e significância do que os homens em Cães de Aluguel (1992) e Pulp Fiction (1994). É neste filme que o agradecimento a Fuller, nos créditos finais de Jackie Brown parece fazer sentido: Tarantino, desde este filme, estrutura suas obras com uma retidão narrativa, que, sem dúvida, podemos associar a Fuller. Estruturalmente e também a respeito do “não voltar jamais”, tão caro a Fuller. Desde Jackie Brown (com a excessão da cena da troca das sacolas e algumas muitas do primeiro volume de Kill Bill), Tarantino tem construído tudo de forma a enunciar seus próprios flashbacks (Kill Bill Vol. 2, Bastardos Inglórios). À Prova de Morte, então, é um filme “para frente”, sem retornos senão aqueles essenciais e letais, que observam, de todos os ângulos, a morte das garotas. Mas aí Tarantino já está obedecendo, há tempos, as leis do seu próprio e renovador cinema.
Ranieri Brandão
Setembro de 2010
FONTE: http://www.filmologia.com.br/?page_id=1335
sábado, 2 de agosto de 2014
sexta-feira, 1 de agosto de 2014
AUGUSTO DOS ANJOS
Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!