domingo, 10 de agosto de 2014

A cisma do Zé Luis, meu pai


Por  Roberto José da Silva, meu irmão


José Antonio da Silva, o Zé Luis, e eu

Ele era seco, sorria pouco, tinha o olhar duro, como escreveria Raymond Chandler se o conhecesse, mas era tão especial que conseguiu atravessar toda uma vida vencendo e não se entregando a uma depressão tão forte que não lhe permitiu vivenciar o lado bom. Passou os últimos anos preso a uma cadeira de rodas, vítima que foi de uma doença degenerativa, mas até o fim sempre dizia ter esperança de um dia voltar a andar. Suportou a dor de ver sua mulher ir embora bem antes dele – e foi a primeira vez que o vi desesperado, pouco antes de o caixão ser fechado. Se transformava totalmente nos poucos momentos que teve ao lado dos netos. As crianças faziam a mágica de arrancar-lhe a couraça que parecia intransponível. Compreendi-o só depois dos quarenta anos, após ter me perdido na tentativa de me achar com as drogas. A primeira coisa que fiz ao retomar o controle da vida foi escrever uma carta agradecendo tudo o que ele me deu: a vida, a saúde, o caminho da educação, enfim, por ele ter me salvado, mesmo sem saber. Quando fui visitá-lo depois disso, lhe dei o primeiro beijo. Anos depois, ao regressar à origem, Palmeira dos Índios, sua terra, ele me beijou – algo que jamais imaginei que iria acontecer. Meu pai me ensinou sem falar, sem dar ordens, sem me colocar no colo, sem me fazer cafuné, sem me dar presentes. Foi trabalhador, era honesto ao ponto de nunca comprar a prestação com medo de não ter dinheiro no futuro e não honrar o compromisso. Uma das grandes lições que passou foi pelo motivo de ter trocado o Rio de Janeiro maravilhoso dos anos 40, para onde veio, por São Paulo do início dos anos 50. Trabalhava num bar e restaurante que era ponto de encontro de artistas como Grande Otelo, Chico Anysio, em Botafogo. Começou a namorar a Zefinha na Cidade Maravilhosa, foi para Alagoas só para casar, voltou e se mandou para o início da era da industrialização na capital paulista. Nunca entendi a troca – e um dia perguntei, pois ele tinha tudo para se tornar dono de negócio na então capital federal, mas foi ser operário no outro estado. A resposta veio rápida e impossível de ser contestada: “Cismei”. Eu e meu irmão Ricardo Silva também cismamos de vez em sempre. Amém.


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