Apreciar a ópera Parsifal com ouvidos ignorantes e se deleitar com a beleza da composição de Richard Wagner. Observar telas de uma exposição e, sem nada saber sobre arte, sentir o espírito elevado com a beleza revelada. O objetivo máximo da criação artística é que seja válida para todos, independente de sua erudição ou conhecimento. O que é belo deve transcender. Uma experiência que não se explica, individual e não compartilhada. Mais que um ato de fé. Uma revelação.
O problema é que boa parte da arte atual necessita de um manual ao seu lado. Um texto verborrágico, embasado em filosofia, referências do passado e um bla-bla-bla sem sentido. No fim do dia, a obra em si simplesmente não provoca nada, a não ser estranhamento. Ou revolta. A arte se tornou uma forma de rebeldia, uma comunicação não-verbal de um protesto visceral. O museu deixou de ser uma catedral de deleite silencioso para ser um lugar cheio de fúria e mágoas. Seria esse o principal papel da arte? Ou, mais simples, não há tantos artistas sensíveis ou com o talento de outrora o suficiente para produzir a beleza pura? Muitos dizem que a arte serve ao propósito de empurrar as fronteiras, de incomodar e provocar a reflexão sobre um bocado de assuntos. O artista, para este objetivo, precisa lançar mão de situações e objetos da vida cotidiana. Desta maneira, o artista deve reproduzir em sua criação uma linguagem que conecta a obra à realidade na qual ele protesta ou enfatiza. No entanto, a obra deixa de estar associada a uma esfera além de nossa percepção para ser mais um objeto cotidiano que pretende significar além. Andy Warhol era mestre nesta manipulação. Vik Muniz ou Andriana Varejão, os artistas contemporâneos mais cultuados por aqui, são discípulos desta escola. As obras refletem o desejo pelo poder nutrido globalmente pelo mercado. O desejo de ter, de comprar, de descartar e de ter outro novamente, num ciclo sem fim. A arte é produzida em série e qualquer objeto é elevado à categoria de sublime, podendo de importantes coleções e acervos. A roda do capitalismo ajuda este mercado surreal, onde uma tela comprada numa pequena galeria por quatrocentos reais poderá valer mil vezes mais no ano seguinte, quando o artista estiver nos catálogos das grandes casas de leilão, produzindo a mesma coisa por todo o resto da vida.
Esta expressão artística não mostra a menor fadiga ou espaço para algum outro movimento tomar conta, como aconteceu com o Modernismo no começo do século passado. O público em geral, este que ocupa boa parte do planeta e teve uma educação mediana pra baixo, encontra uma barreira entre ele e a obra. A arte parece ser produzida apenas para um seleto grupo de críticos, eruditos, iniciados e mercado de arte, que se fecham numa casca de ovo de auto-bajulação ou aniquilação. Uma obra de arte deveria aprazer não apenas um intelectual, mas também o vigilante do museu e uma criança de 5 anos, pois a beleza é de fato universal.
Wagner, o compositor de Parsifal, escreveu em forma de música a arte que é bela por si só. Mas em sua genialidade, também criou as justificativas de sua obra, a estória ali contada, as referências buscadas em lendas, e tudo mais que os eruditos louvam. Ele compôs uma obra de arte capaz de atingir a todos, sem distinção, em muitas camadas. Wagner buscava a obra de arte total, ao tentar abarcar todas as expressões artísticas para destruí-las e transformar a experiência dramática de uma ópera na representação total do que é ser humano. Nesse sentido, o trabalho de Wagner é considerado precursor do que viria a ser o Modernismo. Hoje, não há qualquer sinal de que um artista acenda a faísca para uma explosão de renovação em todos os lugares onde arte é pronunciada. Enquanto isso, os museus continuam exibindo lixo e entranhas vivas para elevar a alma de seus visitantes. Melhor ir rezar na igreja.
Nenhum comentário :
Postar um comentário