domingo, 24 de janeiro de 2016

MANÉ LUIS

                    Manoel Antonio da Silva

por Roberto José da Silva


Meu tio me ensinou música. Sem falar nada. Apenas tocando seu afoxé com maestria no conjunto de chorinho que tocava lá no quintalzinho que dividia nossas casas. A dele, onde morava com Antonia e os filhos Márcio e Estela (e esta entrou no ritmo tocando pandeiro), e a nossa, nos fundos, meia-água, Vila Alpina, Zona Leste de São Paulo, onde moravam, no quarto e cozinha, eu, meu irmão Ricardo (autor do retrato acima), o Zé Luis e a Zefinha. Manoel Antonio da Silva, o Mané Luis, era irmão do Zé. Antonia, a Tonha, da Zefa. Todos desceram o mapa do Brasil de Palmeira dos Índios para o Rio de Janeiro e depois para São Paulo. Criados no sítio. Meu tio me ensino a ter bom humor na vida, mesmo sem saber disso. Era o oposto do meu pai, que descobri ser depressivo só depois que frequentei por anos o inferno da alma. Sei como o Mané aprendeu música. Foi com carro de boi, que ele amava guiar com aquela vara com ponteira – e a ouvir o ranger musical das rodas nas vielas de terra lá da origem. Era dele a rádio-vitrola com olho mágico que tanto lembro e que ficava na sala da casa de frente lá da vila. Foi ali que, mesmo sem ele saber, me apresentou a semente: Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Venancio e Corumba, Jararaca e Ratinho, Alvarenga e Ranchinho, Pedro Sertanejo, Jacó do Bandolin, Orlando Silva, Nelson Gonçalves, Francisco Alves, Angela Maria, Tonico e Tinoco e… no caminho aberto, a filha entrando de sola com Elvis Presley. Meu tio era um forte. Lavou pratos, lavou chão e banheiros em restaurante do Rio de Janeiro, foi operário do batente pesado em São Paulo. Sabia escrever e ler malemá, como dizia. Suas mãos foram calejadas na roça e na casa de farinha que ficava ao lado da casinha dos pais. Depois de adulto eu olhava aquela massa compacta de músculos, formando uma parede, e imaginava ele como boxeador. Se treinasse, seria campeão. Devia ter um coice nas mãos. Nunca brigou. Era um artista -também no humor. Não voltou para morrer na origem, como fez o irmão. Foi para Campinas, ficar ao lado dos netos e bisnetos. Dizia sempre, ao telefone, quando eu perguntava como estava: “Com a cabeça entre as orelhas” ou o clássico “Com um pé na cova e outro na casca de banana”. Mané Luis foi embora hoje cedo depois de, com mais de noventa anos, lutar pela vida que lhe colocou uma casca de banana na quarta-feira passada. Teve uma parada cardíaca de vários minutos e resistiu o quanto pode. Agora descansa, pois precisava. Tinha um olhar penetrante sob as sobrancelhas espessas. Quando ria, até dobrava o corpo. Eu gostava muito de lhe falar besteira ao telefone. Sabia que gostava. Me chamava de bicho sem vergonha. Eu rebatia: “De que famílias eu sou?”. Que sorte e orgulho de ser da deles. Dos dois irmãos casados com as duas irmãs. Hoje houve o encontro sei lá onde do Mané, com o Zé e a Zefa. Eles se entendiam do jeito que aprenderam. Sem nhenenhém, mas se gostavam. Nunca se separaram, assim como nós aqui dessa família que é grande e teve e sempre terá este grande artista, o que tocava afoxé porque o som do carro de boi despertou seu dom. Amém

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