por Célio Heitor Guimarães
Quando escreveu “O Quinze”, nos idos de 1930, a cearense Rachel de Queiroz tinha apenas 19 anos, mas soube registrar as cicatrizes deixadas pela estiagem de 1915 no Nordeste brasileiro. E surpreendeu. Não apenas pela pouca idade, mas por ser mulher e por haver demonstrado uma sensibilidade inusitada na época. Mais que isso: pela sobriedade e ausência de pieguice com que conseguiu desenvolver a trama, tendo como pano de fundo uma das mais dolorosas tragédias humanas – que até hoje se presta para fomentar a demagogia e o enriquecimento criminoso de políticos indecentes e mal-intencionados, sem maior resultado concreto para a população.
Não é fácil transpor para os quadrinhos uma obra literária. Ainda mais em se tratando de um clássico como “O Quinze”. Pois outro nordestino, o paraibano Shiko (na verdade, Francisco José de Souto Leite), conseguiu. E o fez com competência, mantendo a essência do texto original e valorizando-o com seu traço firme, suas aquarelas caprichadas e suas cores fortes. A sequência narrativa prende a atenção do leitor, comove, causa tristeza e revolta. E isso se deve ao talento de Shiko. O fato de ele haver morado até os 20 anos no interior da Paraíba e assistido com o avô a muitos pores do sol no dia de São José, o ajudou, com certeza. Nem por isso, o artista deixou de priorizar a simplicidade, como fez questão de registrar:
“Tentei fazer uma construção objetiva, sem grandes floreios, sem perspectivas fantásticas, enquadramentos de malabarista, ou cenas de página inteira”.
No entanto, toda a aridez da região, o desencanto das pessoas e o flagelo da seca se fazem presentes. Assim como os sonhos e as desilusões da normalista Conceição, que protagoniza o romance e diz-se ter muito da autora quando jovem.
“O Quinze”, de Rachel de Queiroz, completou cem anos no ano passado. Mas, desgraçadamente, continua mais atual do que nunca. Por isso, a versão em quadrinhos é uma boa oportunidade para os jovens do Sul-Maravilha entenderem um pouco mais do Brasil. E uma prova que nem tudo está perdido na arte quadrinizada.
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