quinta-feira, 12 de abril de 2012

CINE CENA

UMA SIMPLES FORMALIDADE
(Une Pure Formalité/Una Pura Formalità)

De Giuseppe Tornatore, Itália-França, 1994.
Com Gérard Depardieu, Roman Polanski, Sergio Rubini
Argumento e roteiro Giuseppe Tornatore
Música Ennio Morricone
Cor, 108 min

Por Carina Rabelo

Um bosque silencioso e taciturno. Uma arma voltada para a câmera. Um tiro. Violinos nervosos embalam a cena. Um homem corre, louco e ofegante pelo bosque que, repentinamente, torna-se palco de uma tempestade inexplicável. Suspiros e desorientação. O homem encontra-se perdido... mas há uma luz no fim do bosque. São policiais. O desorientado sujeito não possui documentos, então, é encaminhado para a delegacia - um estranho local distante e misterioso, semelhante a um castelo abandonado e sombrio. Nada há, apenas policiais e um delegado. Nesse cenário de obscuridade, Giuseppe Tornatore apresenta ‘Uma Simples Formalidade’, estrelado por Gérard Depardieu e Roman Polanski, uma história policial que rompe com a expectativa tradicional de uma narrativa de suspense.

Gérard representa Onoff, um consagrado escritor, que agonizado por motivos desconhecidos, não consegue explicar ao delegado (Roman Polanki) o que faz sozinho num bosque, no meio de um temporal e sem documentos. O delegado lhe faz perguntas simples como o que ele havia feito durante aquele dia, mas Onoff não consegue elaborar uma resposta coerente, pois sua memória não funciona de forma linear. Há flashes, lapsos, exceto uma organização congruente dos fatos. Para complicar a sua situação, coincidentemente, houve um assassinato naquela mesma noite.

O que seria uma simples formalidade policial torna-se um complexo interrogatório, no qual o delegado se encontra num constante duelo pessoal entre a sua profunda e inabalável admiração pelo artista e pela possibilidade do mesmo ser um cínico e perigoso assassino. Tornatore nos surpreende ao longo dos 107 minutos da trama, desvelando um texto que nos coloca diante da constante dúvida sobre a clareza dos fatos. Há um crime, no qual não se conhece a vítima, mas já existe um suspeito, um homem transtornado, confuso e contraditório em tudo o que diz.

O espectador é levado a assumir diversos posicionamentos na narrativa. Onoff é mesmo o assassino? Quem é a vítima? Há uma conspiração na delegacia? Seria Onoff um bode expiatório? Assim, o enredo se desenrola num espaço fixo – um pequena e decrépita sala. São 67 minutos numa espaço encurralado por ratos, goteiras, vinhos e incertezas. A trilha acompanha o suspense do enredo, numa sonoplastia estridente e ameaçadora.

As fotografias e as pequenas lembranças

O sentimento de admiração do delegado pelo escritor e o clima de compaixão e aflição dos policiais durante o interrogatório se mesclam com a desconfiança da autoria do ‘suposto’ crime. O pensamento de Onoff, desorganizado e incoerente, passa a estruturar-se num ritmo linear, a medida que vai lembrando aos poucos das personagens que compõem a sua história. Embebido pelas lembranças entrecortadas, o escritor passa a desconfiar de si próprio, ao recordar de cenas inexplicáveis como discussões com a amante, papéis picotados sobre a escrivaninha e uma arma de fogo... que foi posteriormente localizada no local do ‘crime’. As fotos permitem que Onoff recomponha um referencial sobre a sua existência.

Num roteiro extremamente bem elaborado, o apreciador encontra-se tão perdido quanto o próprio Onoff e compartilha do dilema sofrido pelo delegado. As imagens-clipes e a câmera em travelling nos proporciona um universo de conflitos numa narrativa extensa e complexa, que promete abalar os alicerces do real e do verossímil, afinal, tudo é inacreditável naquela delegacia, uma masmorra de descobertas que suplantam as fábulas e fantasias metafísicas. 

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