por Zé da Silva
Câncer
Não era mais uma agenda. Era um amontoado de papéis soltos, sujos,
faltando pedaços, acomodados entre duas capas de plástico preto,
carcomidas pelo tempo. Em todas as letras havia nomes e números. Mas o
tempo e o manuseio tornaram indecifráveis a maioria deles. Um calendário
identificava o ano em que ela começou a ser preenchida. Até ele
retirá-la de dentro de uma baú guardado no sótão empoeirado da casa,
passaram-se décadas. Não sabia porquê tinha feito aquilo. Isolara-se de
tudo e de todos. Os motivos nem lembrava mais. Resolveu então tentar
falar com alguma daquelas pessoas, descobrindo as combinações dos
números. No único que acertou depois de meses recebeu a triste notícia
de que a pessoa havia morrido havia 15 anos. Nos outros… nos outros
começou a falar com estranhos. Para eles, também sem saber o motivo,
contava a história da agenda. A maioria se encantou. E passaram a
telefonar para ele. Um dia ele saiu e foi até a papelaria mais próxima
comprar a edição do ano. De uma agenda. Anotou todos os nomes e
telefones com caneta tinteiro. Porque lembrou do costume de assoprar
para que a tinta secasse rapidamente. Encheu as páginas com os novos
nomes. E teve certeza de que não mais esqueceria-os. Não tinha mais
tempo de vida para tanto.
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