por Zé da Silva
Escorpião
O menino morreu com a boca na saída do escampamento do jipe. Ele se
esforçava no sonho para ver a expressão do motorista que apertava o
acelerador. Dentro do Fusca jazia o corpo metralhado e ele querendo ver o
rosto do fotógrafo na hora do clique. O jornalista enforcado na grade
da cela e ele atrás de quantos buracos tinha o cinto e se a cadeira
tinha marca. O ex-capitão aniquilado no sertão e ele querendo saber que
árvore era aquela a servir de marco para a morte, e se as crianças do
local brincavam em seus galhos. O policial torturador morto no barco e
ele curioso para desvendar o destino da embarcação. Tinha lido em pastas
guardadas pelos pais. Quando aconteceu, nem tinha nascido. Ficou
curioso porque os recortes estavam sob o peso de um megafone. Ninguém
nunca soube desse interesse e o que as informações despertavam nele.
Vivia no universo paralelo do universo paralelo. Até o dia em que se
apresentou para prestar o serviço militar. Ouviu uma ordem. Entrou na
fila. Foi dispensado. Mas tinha esquecido tudo.
Fonte: http://jornale.com.br/zebeto/2012/04/01/horoscopo-335/
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