por Zé da Silva
Capricórnio
Não tinha pés, mas sim duas pedras de gelo. Nos retângulos dos vidros
das janelas o céu era chumbo derretido e manchado. Nuvens? Ouviu alguém
rezar e imaginou as contas de um terço entre os dedos. Perdera a noção
da idade, mas sabia que tinha caminhado muito. Então veio. O gosto.
Pizza e guaraná. Não juntos. Ele era criança pobre que só tomava o
refrigerante quando ficava doente. O rótulo estava ali na sua mente.
Guaraná Champagne Antárctica. Era o motivo de ele ficar doente e o
motivo de sua cura. Mas isso acontecia raramente. Ele acordava, lembrava
e aí vinha a febre infernal e a atenção da mãe, porque o pai sempre
trabalhando como operário. Bastava o conteúdo de uma garrafa, sorvido
aos poucos, devagar, e o sol voltava a brilhar na alma. A pizza era
aquela, a única, de uma noite perdida no tempo, no salão grande com uma
pequena tv preto e branco pregada no alto de uma parede e onde Cauby
cantou para sempre. Mussarela, massa fina, e todos ali na mesa com
“roupa de sair”, apesar de o local ser a três quadras, percorridas a pé,
pois nunca tiveram um carro. Ele quis os dois juntos. O guaraná e a
pizza, porque pai e mãe já tinham partido faz tempo. Pensou e não
conseguiu falar. Só olhar de novo para o céu cinza e sentir uma lágrima
escorrer do canto do olho direito.
Nenhum comentário :
Postar um comentário