Sagitário
Um canto escuro no quintal e pronto. Era como se a mãe apagasse a luz
do quarto e todos os monstros sem rosto, sem corpo, sem nada
aparecessem. Estava ali, ele sabia. Para atacar de repente. E era sempre
nas pernas, nunca um salto no pescoço para o sangue jorrar na dor
lancinante. Sempre acordava na mesma hora, como se aquilo lá escondido
tivesse o dom. Saía descalço, sentia a grama, a terra, o cimento frio. E
vinha. Parado ficava. Não por querer, mas por receber uma ordem tão
real quanto a coisa prestes a atacar. Foram anos assim. Toda madrugada.
Com ou sem chuva. Com ou sem lua. No mesmo lugar. A esperar. E não
vinha. Um galo cantava e tudo se tornava real e normal. Ele voltava e
dormia. Até o dia em que sumiu. Saiu e sumiu. Naquele canto. A família
não achou vestígios. Nunca mais se soube dele. Mas ele está lá. Agora.
Olhando através da tampa do ralo. De dentro para fora. Espera que alguém
venha. Para esperar que o outro espere. O ataque. Que não vem. Porque o
que acontece é apenas uma substituição de gente por coisa. E de coisa
pelo vazio.
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