Por Zé da Silva
Peixes
Sim, tomou remédios durante um tempo. Tarja preta. Sim, melhorou um pouco.
Foi-se embora aquela angústia massacrante, perfurante. Mas era o
remédio. Ele, não. Achou que, dopagem por dopagem, a do álcool era mais
agradável. Mas não era. Por isso tinha de beber mais para tornar tudo
menos terrível, mesmo que acordasse vomitado no meio-fio da avenida
principal da cidade pequena. Sol queimando o rosto. Olhos alheios
furando o que restava de segurança. Cheiro do mijo nas calças. Às vezes
cocô. Degradação. Banho quente limpa tudo, pensava. Era o bebê problema
da mãe passiva. Era o homem problema do pai durão. Viajou e fez a mesma
coisa em todos os lugares. Carregava a maldição. Não havia retorno,
pensava. Até o dia em que, jura, viu uma luz atravessar a copa de uma
árvore. Estava sóbrio. Sentiu alguma coisa. Não era delírio. Resolveu se
entregar. Para ele mesmo. Abriu a guarda, começou a ouvir. Alguém falou
em milagre. Nunca contou para ninguém o que aconteceu. Raio de sol
furando folhas verdes no balanço do vento. Encontrou a água. Sua bebida única. A cada gole, a mesma sensação daquele momento.
FONTE:http://cartunistasolda.com.br/
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