A globalização não é um fenômeno da época atual, mas está nas origens do sistema capitalista. Não há relação de produção capitalista sem algum processo de globalização. Queremos com isso dizer que o forró que atualmente conquista o público brasileiro em massa e se faz presente em várias partes do mundo é de qualidade musical bastante duvidosa. O retrato musical forrozeiro atualmente pintado no Brasil é musiquinha comercial de baixo nível.
Não podemos considerar o forró moderno ou estilizado ou eletrônico como forró porque simplesmente não há qualquer vinculação com os elementos ligados à tradição da música nordestina. O forró universitário merece nosso respeito, pois pretende estabelecer um elo com as raízes da música regional nordestina e dialogar com seus mestres.
Forró moderno é Luiz Gonzaga que ao longo da carreira soube moldar sua sonoridade aos novos tempos e conquistar variados admiradores. Forró moderno é Jackson do Pandeiro que revigorou a tradição com a inclusão de instrumentos elétricos e adicionou ao ritmo do forró a batida do samba, o pulsar do frevo e as várias manifestações folclóricas nordestinas. Moderno é Jacinto Silva que desafiava cantadores com suas divisões ousadas e seu canto sincopado. Moderno é Dominguinhos que, mesmo fazendo incursões em outras sonoridades e estilos, nunca esqueceu a base do forró gonzagueano do pé da serra. Moderno é Clemilda que, junto ao som dos oito baixos de Gerson Filho, reintroduziu temas folclóricos e bem-humorados na música nordestina. Moderno é Marinês que, enveredando pela MPB, pelo carimbó e pela balada romântica, foi capaz de contribuir para o surgimento da versatilidade do canto de Elba Ramalho. Em suma, aquilo que representa a modernidade já está presente no tradicional. Um realimenta o outro, mas um não avacalha nem desfigura o outro.
O forró eletrônico ou estilizado ou moderno não é e nunca será forró. Na época em que surgiu, final dos anos 90, as gravadoras, as emissoras de rádio, os programas de TV, a pirataria e empresários inescrupulosos que visavam aumentar seus faturamentos, se uniram para desqualificar a música nordestina e embrutecer o público na escolha de uma única forma de “compor” e ouvir música. O gosto popular não pode ser o critério para qualquer definição de qualidade artística de um dado produto cultural. Sabemos que há uma indústria cultural capitalista que financia aquilo que deve ser consumido em termos de arte. Respeitamos a democracia, mas não a confundimos com o democratismo que veicula o baixo nível e a ingerência do mercado como figura determinante para estabelecer valor a algo ou forjar juízos de gosto. Pierre Bourdieu, sociólogo francês contemporâneo, já advertia que o juízo de gosto não é resultado de uma decisão individual isolada e inata, mas é uma construção histórica e condicionado a relações de poder surgidas no embate entre diferentes ambientes sociais.
Portanto, não é tão simples como possa parecer alguém dizer que qualquer um “pode ouvir de tudo e escolher o que mais lhe agrada”. Ou então, basta pronunciar a palavra “forró” para que o baixo nível prevaleça. É preciso, mais do que nunca, redescobrir os elementos que compõem a simplicidade da música popular produzida no Nordeste. Como expressava Jacinto Silva, “forró é simplicidade, é poeira, sanfona, zabumba, triângulo”. Nessa hora se faz necessário recorrer ao apelo presente na música “Estão roubando o meu baião” do grande artista popular Zenilton, sanfoneiro ligado as tradições do forró que nunca dispensou a modernidade: “Chame a polícia/Prenda o ladrão/Estão roubando o meu baião/Dizendo que é vanerão//O forró nunca foi música/Não existe vanerão/Na verdade o que existe/É xote, marcha e baião/O baião do pé da serra/Quem trouxe foi Gonzagão//Forrobodó é forró/Festa desorganizada/A cultura nordestina/Está sendo desprezada/Se pagar para tocar/O CD vai para as paradas”. O momento é de recuperar nossas raízes mais autênticas, mesmo que tenhamos de conviver com elementos culturais de pouca legitimidade. A palavra de ordem é válida, mas devemos evitar o discurso genocida ou usar aparatos bélicos para limpar o terreno.
Escritor Luciano José no lançamento de seu livro "Jacinto Silva - As Canções". Palmeira dos Índios, 25 de abril de 2013. Foto Ricardo Silva.
*Este artigo foi publicado no semanário Tribuna do Sertão (Palmeira dos Índios-AL), ano XXI, nº 1007, 19 de junho de 2017.
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