Visão histórica e quase documental, dividida em sete capítulos, da história da bruxaria e forma como o homem tem tratado o assunto. Apresenta tanto fontes literárias com descrições do que se pensava ser a bruxaria e suas ligações demoníacas, como dramatizações, quer do que se julgava ser a atividade das bruxas, como o modo como a inquisição lidava com as pessoas acusadas de bruxaria. Por fim faz-se uma analogia com casos modernos de histeria, cujos sintomas se podem relacionar com aquilo que antigamente se julgava serem sinais do demônio.
Título original: Häxan; Produção: Aljosha Production Company / Svensk Filmindustri (SF); País: Suécia; Ano: 1922; Duração: 105 minutos; Distribuição: Universum Film (UFA) (Alemanha); Estreia: 18 de Setembro de 1922 (Suécia).
Equipa técnica:
Realização: Benjamin Christensen; Produção: Benjamin Christensen; Argumento: Benjamin Christensen; Fotografia: Johan Ankerstjerne [preto e branco]; Montagem: Edla Hansen; Direcção Artística: Richard Louw.
Elenco:
Benjamin Christensen (O Diabo), Ella La Cour (Feiticeira Karna), Emmy Schønfeld (Assistente de Karna), Kate Fabian (Velha Ama), Astrid Holm (Anna), Oscar Stribolt (Monge Gordo / Médico), Wilhelmine Henriksen (Apelone), Elisabeth Christensen (Mãe de Anna), Karen Winther (Irmã de Anna), Maren Pedersen (Maria, a Fiandeira), John Andersen (Padre Henrik, Inquisidor Chefe), Elith Pio (Johannes, Jovem Monge da Inquisição), Aage Hertel (Juiz da Inquisição), Ib Schønberg (Juiz da Inquisição), Holst Jørgensen (Peter Titta ou Ole Kighul), Clara Pontoppidan (Freira), Elsa Vermehren (Freira), Alice O’Fredericks (Freira), Gerda Madsen (Freira), Karina Bell (Freira), Tora Teje (Histérica Moderna), Poul Reumert (Joalheiro), H.C. Nielsen (Assistente do Joalheiro), Albrecht Schmidt (Psiquiatra), Knud Rassow (Anatomista), Ellen Rassow (Criada), Frederik Christensen (Cidadão), Henry Seemann (Cidadão).
Numa altura em que o cinema dinamarquês tinha já perdido o fulgor de outros tempos, tanto a nível artístico, como por menor pujança das suas produtoras (nomeadamente a Nordisk Film, que durante a Primeira Guerra Mundial perdeu a sua importância internacional), alguns dos seus melhores realizadores filmavam no estrangeiro. Um deles, Benjamin Christensen, que em breve iria emigrar para os Estados Unidos, filmou ainda em solo dinamarquês, embora com financiamento e produção suecos, aquela que seria considerada a sua obra-prima.
“A Feitiçaria Através dos Tempos” é um projeto de grande fôlego, tendo-se tornado o mais dispendioso filme escandinavo até então. Nele Christensen, que o escreveu (sozinho, depois de os peritos consultados recusarem ajuda por serem contra o filme) e também interpretou, faz uma investigação histórica sobre o tema da feitiçaria, depois de ler o manual “Malleus Maleficarum” e incidindo particularmente no mundo germânico medieval. Filmando integralmente em estúdio, Christensen dá-nos um filme que espanta pela novidade quer temática quer estética, quer ainda pela abordagem baseada no rigor e detalhe quase formais trazidos das fontes históricas consultadas.
Apresentando o seu filme como um documentário com cenas encenadas, Benjamin Christensen vai mesmo ao ponto de nos citar as suas fontes, mostrando páginas de livros e incluindo inserts de ilustrações antigas, nas quais vai apontando detalhes ao mesmo tempo que as descreve, como se estivéssemos numa aula. Dessas lições passamos à encenação, a qual abarca tanto retratos históricos de desconfianças que levam a denúncias, capturas e julgamentos de mulheres que se crê serem bruxas, como também a sequências fantásticas, ilustrando aquilo que os livros ensinavam ser a bruxaria.
Com essas três vertentes a ocupar o grosso do filme (o qual se divide em sete capítulos), Christensen consegue uma enorme intensidade, beleza estética e riqueza técnica. Se a crueza com que o confronto entre a religião e superstição se dá com as supostas bruxas nos choca, não menos marcantes são as sequências fantásticas em que testemunhamos os recontros do Diabo com as suas discípulas. Com a película tingida de tons avermelhados, Christensen filma a noite (e curiosamente, à noite, por uma questão de encontrar o ambiente certo), em cenários de penumbra, já com influência do chiaroscuro do Expressionismo Alemão, com uma particular incidência no rosto humano (algo aperfeiçoado por Dreyer nos seus filmes seguintes), um imenso uso do grotesco (de rostos, gestos, acontecimentos e cenografia), que nos fazem sentir estar numa pintura de Bosch. Técnicas como dupla-exposição, dissolvências, movimentos reversos, animação stop-motion, bem como o uso de esqueletos animais e humanos, a personificação do demônio, nudez, cenas de marcado teor sexual (como uma simulação de masturbação por parte do Diabo), um polemico pisar de cruzes num Sabbath, a referência explícita à tortura e detalhes tão macabros o arrancar de um dedo de um corpo já putrefacto, ajudaram a tornar “A Feitiçaria Através dos Tempos” uma obra única e chocante no seu tempo.
O filme termina com um último quadro, contemporâneo, onde em jeito moralista, se mostra como a ciência já identificou tantos sintomas como causados por doenças mentais, em particular a histeria. Mostra-se então, comparativamente, como esses sintomas (sonambulismo, obsessões, insensibilidade táctil, cleptomania, etc.) foram em tempos sinal de marcas do demônio, e são agora (por agora entenda-se 1922) motivo de tratamento médico. No entanto, se antigamente o resultado eram problemas com a Igreja, e mortes na fogueira, agora são problemas com a autoridade, e internamentos em hospícios desumanos, mostrando que há ainda um longo caminho a percorrer.
Como não podia deixar de ser, “A Feitiçaria Através dos Tempos” passou por muitos problemas com a censura, tendo algumas das suas cenas mais ousadas sido cortadas nas versões originais. Tal resultou em versões truncadas. Com o filme a cair em domínio público, este foi replicado para venda em VHS ou DVD, por vezes a partir de más cópias e montagens duvidosas. Felizmente o filme tem sido motivo de vários restauros e reposições, a primeira das quais ainda em 1941, com uma nova banda sonora, composta por Emil Reesen. Uma versão mais curta foi apresentada 1968, com música de Daniel Humair, interpretada por um quinteto de jazz, e narração de William S. Burroughs. A versão mais comum hoje, feita em 2001 para DVD, com montagem que respeita a visão de Christensen, tem como banda sonora um misto de peças de Schubert, Gluck, e Beethoven, que tentam replicar as peças escolhidas pelos cinemas em 1922, e que receberam a a aprovação do realizador. A mais recente restauração data de 2006, feita pelo Svenska Filminstitutet, com música de Matti Bye. Alguns DVDs de 2007 acrescentam versões do compositor inglês Geoff Smith e do grupo de música eletronica Bronnt Industries Kapital.
Também o grupo de rock progressivo francês Art Zoyd (1997), o compositor islandês Barði Jóhannsson (2006) e o ensemble norte-americano The Rats & People Motion Picture Orchestra (2010) comporiam bandas sonoras independentes para o filme.
FONTE:
A JANELA ENCANTADA
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