sexta-feira, 16 de março de 2012

BASEADO NA RUA

por Sergio Brandão

Já estou atrasado para minha última consulta no dentista. Caminho com pressa e, na minha frente, também no mesmo passo, um cara alinhado, boa pinta. Não muito próximo dele sinto um cheiro forte de maconha. Imediatamente olho em sua mão e vejo algo queimando, soltando fumaça. Aperto o passo, me aproximo e vejo que é mesmo um baseado. Em sentido contrário, do mesmo lado da calçada, vem uma senhora que, ao ver o cidadão, diminui o passo, abre um baita sorriso como se já o conhecesse . Eles se cumprimentam, se beijam, falam algo rapidamente e seguem cada um o seu caminho. A breve parada  me deixa mais próximo dele e do cheiro de maconha. Assim que se despede da mulher, retoma a sua “pira”. Entre eu e ele  também caminham várias pessoas. Percebo que ninguém se importa com o cheiro, só eu. Nem a senhora que brevemente trocou umas palavras com ele me pareceu indignada com a coisa. Aliás, não é com o cheiro que me incomodo. O cheiro até que é bom, mas a cara de pau do sujeito, fazendo aquilo ali, no meio da rua, sem se importar com nada? Na minha época lembro que a gente se escondia nos lugares mais absurdos para fazer isso. Mesmo assim, quando era flagrado, dava “cana”. Na rua?  Assim como o cara estava fazendo? Nem pensar! Não lembro de alguém que tenha ousado tanto assim. Só lembro que assim, como ele, não podia, mas os tempos são outros – e agora pode. Não importa mais se incomoda os outros, não importa se a polícia te pegar, nada mais importa. Hoje, em qualquer lugar, você pode fumar a sua maconha  sem ser incomodado. A cena é mais uma entre tantas que vejo há anos – e parece que a cada dia vejo mais. Aquilo me faz lembrar que anos atrás peitei um garotão que queimava seu fuminho numa praça, sentado tranquilo e calmo. Na passagem pelo garotão eu disse: “Cara de pau, heim?” Ele me olhou  e disse que não estava fazendo nada de mais. Deu um sorriso cínico e, ainda me olhando, deu uma tragada bem profunda. Parei, voltei e disse pra ele: “Cara, você vai fumar a vida inteira e não vai conseguir somar nem ¼ dos baseados que fumei. Pra você conseguir isso, fumar aqui, nesta paz, sem ter que se preocupar com nada, talvez deva isso também a mim. Porque me escondi durante a minha adolescência inteira fazendo isso. Na minha época isso era vergonhoso, criminoso, coisa de gente perigosa, que não tinha compromisso nenhum com a vida. Lembro que quando decidi que ia parar, parei. Nunca mais fumei. Festejei e festejo isso sempre. Lembro que o que mais me intrigava era que diziam exatamente tudo que devem dizer pra vocês, hoje. Que não faz mal, que relaxa, que fumar de vez em quando é até bom. Só que quando eu fumava, me sentia mal. Incapaz de algumas coisas. Lembro de uma taquicardia que me preocupava. Depois de anos, comecei a ficar burro. Não rendia o mesmo nem no trabalho e nem na escola. Gostava de dormir, e quanto menos responsabilidade, melhor. Tenho filhos e não quero que façam o mesmo que você que eu fiz”.  O cara continuou fumando e o negão na minha frente também. Chegamos num cruzamento. Parei.  O negão atravessa a rua. Fiquei observando. Ele segue em direção a uma estação tubo. Como quem apaga um cigarro, joga a bagana no chão, pisa nela com a ponta do pé, lembrando a clássica cena de cinema. Claro, penso eu. Dentro do ônibus não pode. Sempre teve a placa advertindo que ali não pode.

Fonte: http://jornale.com.br/zebeto/2012/03/15/baseado-na-rua/

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