por Sergio Brandão
Já estou atrasado para minha última consulta no dentista. Caminho com
pressa e, na minha frente, também no mesmo passo, um cara alinhado, boa
pinta. Não muito próximo dele sinto um cheiro forte de maconha.
Imediatamente olho em sua mão e vejo algo queimando, soltando fumaça.
Aperto o passo, me aproximo e vejo que é mesmo um baseado. Em sentido
contrário, do mesmo lado da calçada, vem uma senhora que, ao ver o
cidadão, diminui o passo, abre um baita sorriso como se já o conhecesse .
Eles se cumprimentam, se beijam, falam algo rapidamente e seguem cada
um o seu caminho. A breve parada me deixa mais próximo dele e do cheiro
de maconha. Assim que se despede da mulher, retoma a sua “pira”. Entre
eu e ele também caminham várias pessoas. Percebo que ninguém se importa
com o cheiro, só eu. Nem a senhora que brevemente trocou umas palavras
com ele me pareceu indignada com a coisa. Aliás, não é com o cheiro que
me incomodo. O cheiro até que é bom, mas a cara de pau do sujeito,
fazendo aquilo ali, no meio da rua, sem se importar com nada? Na minha
época lembro que a gente se escondia nos lugares mais absurdos para
fazer isso. Mesmo assim, quando era flagrado, dava “cana”. Na
rua? Assim como o cara estava fazendo? Nem pensar! Não lembro de alguém
que tenha ousado tanto assim. Só lembro que assim, como ele, não podia,
mas os tempos são outros – e agora pode. Não importa mais se incomoda
os outros, não importa se a polícia te pegar, nada mais importa. Hoje,
em qualquer lugar, você pode fumar a sua maconha sem ser incomodado. A
cena é mais uma entre tantas que vejo há anos – e parece que a cada dia
vejo mais. Aquilo me faz lembrar que anos atrás peitei um garotão que
queimava seu fuminho numa praça, sentado tranquilo e calmo. Na passagem
pelo garotão eu disse: “Cara de pau, heim?” Ele me olhou e disse que
não estava fazendo nada de mais. Deu um sorriso cínico e, ainda me
olhando, deu uma tragada bem profunda. Parei, voltei e disse pra ele:
“Cara, você vai fumar a vida inteira e não vai conseguir somar nem ¼ dos
baseados que fumei. Pra você conseguir isso, fumar aqui, nesta paz, sem
ter que se preocupar com nada, talvez deva isso também a mim. Porque me
escondi durante a minha adolescência inteira fazendo isso. Na minha
época isso era vergonhoso, criminoso, coisa de gente perigosa, que não
tinha compromisso nenhum com a vida. Lembro que quando decidi que ia
parar, parei. Nunca mais fumei. Festejei e festejo isso sempre. Lembro
que o que mais me intrigava era que diziam exatamente tudo que devem
dizer pra vocês, hoje. Que não faz mal, que relaxa, que fumar de vez em
quando é até bom. Só que quando eu fumava, me sentia mal. Incapaz de
algumas coisas. Lembro de uma taquicardia que me preocupava. Depois de
anos, comecei a ficar burro. Não rendia o mesmo nem no trabalho e nem na
escola. Gostava de dormir, e quanto menos responsabilidade, melhor.
Tenho filhos e não quero que façam o mesmo que você que eu fiz”. O cara
continuou fumando e o negão na minha frente também. Chegamos num
cruzamento. Parei. O negão atravessa a rua. Fiquei observando. Ele
segue em direção a uma estação tubo. Como quem apaga um cigarro, joga a
bagana no chão, pisa nela com a ponta do pé, lembrando a clássica cena
de cinema. Claro, penso eu. Dentro do ônibus não pode. Sempre teve a
placa advertindo que ali não pode.
Fonte: http://jornale.com.br/zebeto/2012/03/15/baseado-na-rua/
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