terça-feira, 6 de março de 2012

HORÓSCOPO

por Zé da Silva

Escorpião

O retrato que lhe mostraram era o de um homem acabado. O corpo parecia uma vírgula, não havia um único dente na boca, cabelo e barba desgrenhados. Havia uma mulher ao lado. Estavam na porta de uma tapera. Vestia um traje que um dia foi pijama. Azul. Havia uma mancha que descia da virilha até a canela. Mijo. O peito à mostra era osso. Ao seu lado uma mulher tinha o olhar perdido dos esquizofrênicos. Um lenço estampado na cabeça lhe dava um ar mais nobre. Ele olhou e perguntou se era ele mesmo. Há décadas não se via. Não tinha espelho em casa. A resposta foi sim. Ele então saiu capengando para trás da tapera e chamou o homem que chegara ali num carro bonito. Mostrou uma montanha na linha do horizonte. Daqui até lá é tudo meu, disse. Para os lados a distância era a mesma. O gado estava em algum cercado. Falou que todo dia contava as cabeças. Eram centenas. Disse que fazia isso para saber que tinha – e isso sustentara sua vida até aquele dia. Estava com quase noventa anos. O visitante então se despediu. E nunca mais viu o pai e a mãe.

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