por Zé da Silva
Escorpião
O retrato que lhe mostraram era o de um homem acabado. O corpo
parecia uma vírgula, não havia um único dente na boca, cabelo e barba
desgrenhados. Havia uma mulher ao lado. Estavam na porta de uma tapera.
Vestia um traje que um dia foi pijama. Azul. Havia uma mancha que descia
da virilha até a canela. Mijo. O peito à mostra era osso. Ao seu lado
uma mulher tinha o olhar perdido dos esquizofrênicos. Um lenço estampado
na cabeça lhe dava um ar mais nobre. Ele olhou e perguntou se era ele
mesmo. Há décadas não se via. Não tinha espelho em casa. A resposta foi
sim. Ele então saiu capengando para trás da tapera e chamou o homem que
chegara ali num carro bonito. Mostrou uma montanha na linha do
horizonte. Daqui até lá é tudo meu, disse. Para os lados a distância era
a mesma. O gado estava em algum cercado. Falou que todo dia contava as
cabeças. Eram centenas. Disse que fazia isso para saber que tinha – e
isso sustentara sua vida até aquele dia. Estava com quase noventa anos. O
visitante então se despediu. E nunca mais viu o pai e a mãe.
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