por Yuri Vasconcelos Silva
Você acorda de um sonho e percebe que mais um ciclo nasce na rotina do dia-após-dia. À exceção dos momentos esparsos, pontuais de alegria ou tristeza, a sequência martelada de pensamentos, sentimentos e ações moldam quem você é. No fundo, todos sabemos disso. A mesma quantidade de gotas de aspartame no café passado, virar o cabelo para o lado de sempre, os mesmos caminhos e tropeços até qualquer lugar. Os pensamentos são viciantes, eles nunca morrem. Ficam, em estado eterno de looping, retornando à cabeça e atormentando seu banho no final do dia. A vida então adiciona pequenas variações para que ninguém desista disto aqui. Um tesão que muda seu objeto de desejo a cada noventa dias, ser promovido a alguma coisa ou um livro delirante escrito por outro não muito diferente de você. O dia acaba, os olhos se fecham. Os sonhos retornam e são repetitivos também, mesmo os mais extraordinários. Dentro do sonho, raros são os momentos em que se percebe viver em um mundo que existe só na mente. Acredita-se em tudo o que acontece a ponto de influenciar as emoções, batimentos cardíacos e glândulas sudoríparas. O onírico atravessa a membrana da fantasia e estimula corpos reais desacordados na metade do mundo que está girando na escuridão. O problema é não saber, naquele momento, que são apenas ilusões que lhe atormentam. Elas sabem, com íntima precisão, o que deseja e o que teme. Elas criam paraísos efêmeros de alegria passageira ou infindável pesadelo. Você grita no escuro, preso em seu corpo imóvel, acreditando que a paisagem da mente que vive é tão real quanto sua carne. Ao acordar, com alívio ou decepção, levanta-se para mais um dia. Então alguém aparece em respeitável tom profético, com guarda-pó branco e centenas de artigos publicados, e lhe atira na testa que esta vida é uma simulação avançada de outra civilização. Você seria um personagem dentro de realidade virtual. Esta alegação não é nova. Abordada por cientistas há bastante tempo, já foi incorporada a livros e cinema de ficção. Matrix (1999), filme dos irmãos Wachowski, representa o exemplo mais notório. O paradoxo está no fato de que, ao contrário do sonho acordado da noite, onde é possível diferenciar com clareza os limites entre o onírico e a realidade, não é possível para a ciência no estado atual aferir o potencial de sermos todos frutos da imaginação de outro ser ou sistema. No fim das contas, a própria aferição pode nos dar um resultado que é também simulado. Assim, na eventualidade de você viver em uma camada de realidade criada, estará para sempre preso. Não poderá acordar e ter ciência de que continua dormindo. Se assim fosse possível, a liberdade máxima seria atingida. Seria semelhante ao pesadelo de um elevador que nunca para no seu andar e continua a descer até o inferno, sem nunca frear. Ao perceber que a situação não passa de um sonho, deixaria de sentir medo. Na verdade, poderia controlar a cabina para que te levasse onde seu desejo manda. Não ser dominado pelos sentimentos impostos pelo contexto da realidade é se livrar das mais poderosas amarras que lhe prendem. Sendo esta experiência de realidade o sonho de algum deus ou o vídeo-game de uma civilização distante, o que faria com este conhecimento?
Qualquer que seja a resposta, o olhar mais aprofundado indica que esta experiência não muda. Não importa se você acorda, trabalha todos os dias, sente fome e come, sofre ou se alegra. Estando dentro de uma simulação, de um sonho ou da realidade, o mundo como percebemos continuará operando da mesma maneira. O que pode ser alterado é como reagimos a causas da realidade, pois ela é subjetiva. Este posicionamento tem o potencial de alterar a experiência pessoal. As experiências podem ser boas ou ruins conforme o observador, não a realidade. Mas é bom sempre lembrar que, no final deste jogo, todos os personagens morrem com apenas uma vida.
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