por Zé da Silva
Leão
Espirrou, limpou o catarro que escorreu com a manga direita da blusa e
só então se deu conta de que estava há uma semana gripado – e com a
mesma roupa. Estava tudo engomado. A alma dele também. Parecia concreta,
pesada, dura de se levar de um lado para o outro. O de um lado para o
outro dele era uma reta de asfalto entre Brasília e Belém. Comprida e
mal acabada, disseram um dia, lá no passado, tão distante que, lembrou,
sua cabeleira era castanha e encaracolada. Carregava uma bolsa
boliviana, com pompons pendurados. Queria uma casa no campo, mas pisou
na tampa da fossa e essa cedeu. Se perdeu no tempo, no espaço, a memória
foi para longe e há tempos não ouvia o som de uma voz familiar lhe
abençoando. Agora estava ali, no meio do nada, com a roupa do corpo e
sem documentos. Não havia vento e Caetano Veloso era só uma imagem bem
comportada que viu na tv de um posto de gasolina. Sem vento, sem lenço.
Um caminhão estacionou. Uma carona, quem sabe? A porta aberta lhe
revelou uma mulher madura ao volante. Vai para onde, perguntou ela.
Quero dormir, disse ele. Subiu, fechou os olhos. Uma Nossa Senhora
Aparecida protegia tudo ao lado do painel. Um som saía do rádio. O sol
parecia estacionado na linha do horizonte. A motorista disse que o nome
dela era Maria. Ele olhou de lado. Rezou internamente. Tudo ali parecia
um milagre. Não espirrou nunca mais.
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