quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

LÁ DENTRO, NO ESCURO QUE É VOCÊ

… Então deu uma sacudida na cabeça e seus olhos ficaram arregalados de repente, e, apesar de a luz atingir em cheio o seu rosto, era possível ver o brilho nos olhos do Chefe.

Está vindo, pensei.

Você via os olhos arregalados de repente daquele jeito, cono se algo tivesse acontecido dentro dele, e havia aquele brilho. Você sabia que alguma coisa tinha acontecido dentro dele e pensava: Está vindo. Sempre foi daquela maneira. Os olhos arregalados e brilhantes e havia o aperto gelado descendo pelo estômago como se alguém tivessse colocado alguma coisa lá dentro, no escuro que é você, com a mão fria em uma luva de borracha fria. Era como o instante em que você chega em casa tarde da noite e  vê o envelope amarelo de um telegrama na fresta da sua porta e se abaixa para pegá-lo, mas ainda não o abre, não imediatamente. Enquanto ficava parado lá no hall, com o envelope nas mãos, você sente que está sendo observado, um olho enorme bem na sua direção a quilômetros de distância. No escuro e através dos muros e das casas, através do seu paletó e do colete, o olho se esconde e vê você se precipitando para dentro, para o seu íntimo, para dentro de você mesmo, como um pequeno feto, triste e pegajoso que você carrega dentro do seu corpo. O olho sabe o que tem no envelope, e ele o observa esperando que você abra o envelope e descubra o que tem dentro. Mas o pequeno feto triste e frio que é você, bem na escuridão que também é você, levanta o rostinho triste e os olhos que não enxergam, e treme de frio por dentro de você porque você não quer saber o que tem dentro do envelope. Ele quer que você se deite nio escuro e não saiba, e fique aconchegado no não-saber. O objetivo do homem é o conhecimento, mas há algo que ele não pode saber. Ele não pode saber se o conhecimento vai salvá-lo ou matá-lo. Ele vai ser morto, certo, mas não pode saber se vai ser morto por causa do conhecimento que tem ou por causa do conhecimento que não tem e que, se tivesse, o salvaria. Você sente um frio no estômago, mas vai abrir o envelope, porque o homem precisa do conhecimento.

de Robert Penn Warren em Todos os Homens do Rei

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