segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

HORÓSCOPO

por Zé da Silva

Capricórnio

No meio da marchinha, olhos fechados, braços para o alto, o rolo da serpentina serpentina acertou o olho esquerdo e uma nuvem de confete lhe encheu a boca até a garganta. Ele lembrou de uma outra música. Pedacinho colorido de saudade. Selou os lábios e não engoliu. Saiu do salão, foi andar pelas ruas naquela madruga onde o mar estava calmo e a lua refletia prata. Nunca mais falou. Do incômodo inicial se acostumou com aqueles pedacinhos coloridos na boca. E eles não se dissolveram com o passar do tempo. E passaram a transmitir diferentes sabores, exatamente das coisas que ele gostava, inclusive picanha mal passada. Os parentes e amigos não entenderam o silêncio repentino. Ele não escrevia para explicar. A partir daquele ano, em todo carnaval, ia para aquela avenida a beira mar e sambava sozinho na madruga. Ouvia as músicas da festa onde recebeu aquilo que considerava agora hóstias de felicidade. Depois, seguia a vida, sem falar e sem se alimentar, porque os sabores o alimentavam. Um dia resolveu olhar dentro da boca. Não tinha mais confetes, apenas os dentes e a língua na cavidade. Não ficou triste, porque continua sentindo que tinha recebido uma grande dose de alegria.

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