por Zé da Silva
Capricórnio
No meio da marchinha, olhos fechados, braços para o alto, o rolo da
serpentina serpentina acertou o olho esquerdo e uma nuvem de confete lhe
encheu a boca até a garganta. Ele lembrou de uma outra música.
Pedacinho colorido de saudade. Selou os lábios e não engoliu. Saiu do
salão, foi andar pelas ruas naquela madruga onde o mar estava calmo e a
lua refletia prata. Nunca mais falou. Do incômodo inicial se acostumou
com aqueles pedacinhos coloridos na boca. E eles não se dissolveram com o
passar do tempo. E passaram a transmitir diferentes sabores, exatamente
das coisas que ele gostava, inclusive picanha mal passada. Os parentes e
amigos não entenderam o silêncio repentino. Ele não escrevia para
explicar. A partir daquele ano, em todo carnaval, ia para aquela avenida
a beira mar e sambava sozinho na madruga. Ouvia as músicas da festa
onde recebeu aquilo que considerava agora hóstias de felicidade. Depois,
seguia a vida, sem falar e sem se alimentar, porque os sabores o
alimentavam. Um dia resolveu olhar dentro da boca. Não tinha mais
confetes, apenas os dentes e a língua na cavidade. Não ficou triste,
porque continua sentindo que tinha recebido uma grande dose de alegria.
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