domingo, 13 de janeiro de 2013

DISCOTECA BÁSICA

MC5
Kick Out the Jams (1969)



(Edição 78,Janeiro de 1992)

Barulho, noise, esporro... Música enquanto soco no estômago. A zoeira atravessa os três acordes do punk, passa pelo hardcore e pelo trash, por Sonic Youth e por aí vai até toda a turminha de Seattle. Uma fórmula simples, mas matadora: guitarras demenciais cuspindo riffs como farpas, enquanto a cozinha pulsa catatonicamente, quase soterrando os arremedos dos vocais.
Acontece que toda esta violência sônica/cênica já tinha sido forjada lá pelos idos de 67, em pleno desbunde psicodélico. Suas origens remetem a duas bandas de Detroit - The Stooges e MC5. Ambas com total afinidade musical, mas com uma diferença fundamental: enquanto as performances animais de Iggy Stooge e seus comparsas antecipavam toda a estética niilista do no future punk, o MC5 acreditava realmente no poder revolucionário do rock'n'roll. Uma posição - no mínimo - ingênua se transporta para os dias de Guns n'Roses que ora correm, mas bem coerente com a época.
Rob Tyner (vocal), Fred "Sonic" Smith, Wayne Kramer (guitarras), Dennis Thompson (bateria) e Michael Davis (baixo) saíram diretamente das garagens do subúrbio de Lincoln Park para apavorar o circuito de clubes locais, onde eram notórios por tocarem muito alto, pelas atitudes obscenas e por chegarem quase sempre bêbados ou chapados demais para se apresentar. Porém, quando conseguiam fazê-lo, perpetravam um atentado sonoro que logo virou sensação entre o público mais interado.
Através do baixista Davis - também artista plástico -, a banda travou contato com a Trans-Love Energies, uma comunidade de artistas lideradas pelo ativista anarquista John Sinclair, que agregou aquele bando de freaks barulhentos à sua trupe. Esta foi o embrião do partido White Panther (uma referência ao movimento negro radical dos Black Panthers), que expandiu os ideais anárquicos de Sinclair para happenings de grandes proporções, em que a trilha musical cabia ao MC5.
Foi dentro deste contexto que surgiu o álbum de estréia do grupo, um dos discos mais "sujos" da história do rock. Gravado ao vivo no fim de 68, ele captava toda a energia primal do quinteto em porradas como "Borderline", "Come Together" e "I Want You Right Now". Desde a subversiva versão de um velho hit de Nat King Cole ("Ramblin' Rose") até a estratosférica parceria com o "jazzista E.T." Sun Ra que fechava o disco ("Starship"), o pau comia solto. Mas pau mesmo foi rolar a partir da faixa-título, em que, na introdução, Tyner gritava o lema "Kick out the jams, motherfuckers!" (algo como "Botem tudo pra fora, filhos da puta!"). Isso acabou envolvendo a banda num processo que começou com o boicote ao álbum pelas lojas e pela própria gravadora (que em seguida os dispensou) e foi parar até nas mãos do FBI - com Sinclair puxando dez anos de cana por tráfico de maconha.
O MC5 ainda daria a volta por cima lançando Back In The USA (70), um clássico do garage sound (vide as antológicas "Call Me Animal", "Teenage Lust" e "American Ruse"), além de um obscuro terceiro álbum (High Time), antes de se dissolver em 71. Depois disso, além de continuarem com problemas com a polícia (com várias prisões por porte de drogas), seus integrantes se envolveram em esparsos projetos musicais: Davis com o Destroy All Monsters (junto ao ex-Stooges Ron Asheton), Thompson com o New Order (não aquele!) e o New Race, Kramer com a Gang War (que também incluía Johnny Thunders) e Smith com a Sonic Rendezvous Band (antes de se casar com Patti Smith, para quem produziu e dividiu as autorias no álbum Dream Of Life, em 88). Apenas Tyner chegou a gravar um disco solo (Bloodbrothers) antes de ter um ataque cardíaco fatal, em setembro do ano passado. Mesmo assim, a lenda do quinteto de Motor City permanece viva.

por Celso Pucci

FONTE: http://rateyourmusic.com/list/Mhrr/discoteca_basica_revista_bizz

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