do Blog do Professor Alexandre
Zé do Caixão não tem história, não tem passado. Na mente do povo, é como uma entidade, com a única diferença que através do seu criador, o cineasta José Mojica Marins, aparece, em carne osso em manchetes de jornais e programas de televisão. E Josefel Zanatas, o que tem a ver com isso? Um próspero agente funerário do interior, muitas vezes fornecedor dos próprios defuntos enterrados com seus caixões, temido por homens e mulheres, repudiado pela Igreja local, mas querido pelas crianças. Afinal, quem é esse homem? Para quem não lembra do filme, algo fácil num país onde não se lembra nem dos votos dados na última eleição, e os mais jovens que não eram nascidos à época a estas pessoas, temos uma surpresa: Josefel Zanatas e Zé do Caixão são a mesma pessoa!!! Não se trata de dupla personalidade.
Zé do Caixão é apenas o
apelido, colocado por uma cidade atemorizada, em seu agente funerário.
Josefel não crê no sobrenatural. É materialista pra nenhum Marx botar
defeito. Como Rousseau acredita na boa natureza humana, encarnada não no
selvagem, mas, na criança. Quanto à sociedade, entretanto, é mais
descrente que Kafka e Nietzsche. Não queremos que esse artigo seja
pedante, mesmo porque José Mojica Marins, ao criar a personagem, como
ele mesmo garante, nem tinha conhecimento destes nomes. Não tinha tempo
para estudar ou ler, pois o que ele queria, era fazer cinema.
Entretanto, serve para ressaltar que Zé do Caixão, ou melhor, Josefel
Zanatas, não tinha em mente apenas a criação de novos métodos de
tortura, como alguns congêneres do cinema mundial. Ao contrário,
refletia sobre questões pensadas por alguns dos maiores filósofos e
escritores de todos os tempos. Talvez, entre mumias e zumbis, este
"homem de unhas
grandes" seja o personagem do mundo do horror, mais carregado de
filosofia e coerência próprias. Algo pouco explorado pela imprensa
interessada no espetáculo de fácil absorção. Zé do Caixão difere da
maioria dos "seres horripilantes" em um ponto fundamental: ele não é
demoníaco por prazer. Ele tem um grande propósito e fará qualquer coisa
para atingí-lo, nem que seja preciso matar.
Josefel Zanatas, sendo um
homem sem medo, ultra-materialista, cético e convencido de que é o ser
mais perfeito da Terra, busca uma meta: o "filho perfeito". A única
coisa que amedronta o agente funerário é a morte, não a morte da carne,
mas sim a morte do ser. Ele procura desesperadamente uma mulher superior
para gerar seu "filho perfeito", pois seria o único meio de se
transformar imortal: através de seus descendentes. É assim que se
desenvolve a sina de Josefel Zanatas. Ele é um homem amargurado pela
vida, revoltado com a humanidade e enojado com a religião.
Tanta diferença com a "situação normal" o trasnforma numa aberração, um
cancer que todos querem destruir. Zé do Caixão é vítima das piores e
ferozes pragas e maldições que se pode imaginar. Para o leitor menos
avisado, será uma surpresa constatar que Zé do Caixão não é o
desencadeador do sobrenatural, e sim uma vítima!!!
Apesar de sua
aparência bizarra, suas unhas diabólicas e um nome, que ao contrário,
quer dizer Satanaz (Zanatas), Zé do Caixão ridiculariza o sobrenatural e
seus praticantes. Para o coveiro, a morte é inevitável e Deus e Diabo
são crendices estúpidas de um povo atrasado. Mas para todos, Josefel é
uma entidade, parte do folclore, e mesmo para quem conhece bem sua
personalidade, ele ainda se parece como um "Arauto do Inferno". Talvez o
caráter insólito e agourento do personagem nos filmes e na televisão na
década de 60 ajudaram a mistificar a figura de Zé do Caixão como um ser
"do além", mas mesmo assim, durante a ditadura militar e a repressão,
Zé do Caixão foi cada vez mais esquecido e seu criador, José Mojica Marins
foi "sepultado".
A Saga do Coveiro, prevista para 9 filmes, foi
arquivada. Tudo começou com um pesadelo, onde um homem de capa preta e
cartola arrastava Mojica para o túmulo com sua data da morte. Ele
acordou em pânico e perdeu o sono, mas teve a idéia do personagem que
iria imortalizá-lo no mundo do cinema. Mojica não era iniciante, já
havia feito filmes de outros gêneros, mas até então, nunca havia pensado
em terror. Aliás, ninguém no Brasil havia. Com o roteiro na mão,
apareceram dois grandes problemas: dinheiro (que se poderia "arranjar"
de um jeito ou de outro) e quem seria o ator principal. Quem seria o
louco? Quem se exporia ao ridículo caso fosse um fracasso? (como todos
pensavem). Quem em sua sã consciência se vestiria de capa preta e
cartola num cinema de terceiro mundo? Mojica não teve saída, ele mesmo
encarnou a personagem.
Depois de uma "via sacra", Josefel Zanatas
conseguiu estrear nos cinemas brasileiros. A crítica e público, depois
de recuperados do choque inicial, transformaram José Mojica Marins num
dos homens mais famosos do Brasil. Ninguém era indiferente ao seu
trabalho. Mojica era amado e odiado, não existia meio termo. Mojica
deixou o cinema nacional de pernas para o ar.
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