Assistir
a um filme de Fellini é como ter um sonho erótico polido, sem, contudo
deixar de lado a obsessão pelo sagrado feminino. Exorcizado de padrões
de beleza, que dão lugar as mais puras fantasias. Há de se dizer que a
imagética feminina na visão de Fellini é dotada de misticismo. Figuras
femininas aos montes, idolatradas a enxame de deusas em imagens que
beiram ao inconsciente. O alter ego de Fellini (Marcello Mastroianni)
representa o sexo masculino como um ser inadaptável num meio hipnótico e
alucinante, dominado em quantidade pelas mulheres. No entanto, o homem
não representa o Patinho Feio ou a interferência externa que compromete a
perfeição da obra. O homem – e aqui me refiro a todo ser do sexo
masculino - é a peça que dá sentido aos questionamentos femininos, sem
com isso, tentar entende-los. Enquanto elas dominam, impõem suas
vontades e desejos mais profanos, o homem assiste a tudo inerte, confuso
e atordoado, porém maravilhado e entorpecido pelo espetáculo circense,
espetáculo que só muitas mulheres livres de quaisquer princípios de
condutas éticas e morais, reunidas num ambiente onde as leis da física
não imperam podem oferecer.
Fellini
não nos presenteia com uma visão machista, nem tampouco feminista. Ele
demonstra metaforicamente a visão que o homem tem da mulher e a posição
social que elas assumem perante o homem, onde o homem é ora reverenciado
ora julgado e a mulher é revolucionária, dotada de liberdade e poderes
punitivos. Em A Cidade das Mulheres, Fellini – Mastroianni – Snapóraz se
encanta por uma bela ragazza em um trem e ao descerem ele a segue pela
floresta, entrando num prédio lotado de mulheres que participavam de uma
convenção feminista. A partir daí, nem mulher nem homem é perdoado.
Todos são estereotipados assumindo ambiguamente títulos de vitimas e
culpados. A liberdade narrativa com uma falta total do senso de
realidade permite representar exageradamente o conflito dos sexos,
expondo os dois lados sob a ótica do sexo menos favorecido em
quantidade: um homem em crise de meia idade, receoso a entender o
universo feminino, que a toda hora busca fugir daquilo que ele
caracteriza como um pesadelo.
As
mulheres de Fellini são as que ele vê em seus sonhos, por isso, são
caricatas e estereotipadas. É assim que ele conseguia percebê-las. E de
que forma melhor para mostrar a realidade do que num modelo que
estabelece um padrão? Daí vem a imagem das feministas lésbicas que
enquanto exemplificam a forma com que os homens subjugam as mulheres,
procuram de forma animalesca novos nomes para a “Prometida”, da mulher
oprimida que assume diversas tarefas no lar enquanto cumpre suas
obrigações matrimoniais para com seu senhor, das adolescentes punks que
levam o “tio” Mastroianni à beira de um ataque de nervos e as mulheres
maduras, misteriosas, envolventes, cuja sabedoria causa medo. A esposa
de Snáporaz mostra a dualidade da esposa prisioneira de sua própria
condição e do homem que se sente impelido a trair frente a infelicidade
da esposa.
É
comum relacionar a estrutura de sonho como uma loucura grotesca, sem
qualquer brecha para entender os objetivos do realizador. De fato, esse
seja o filme de Fellini menos abastado de um alicerce narrativo. Não é a
toa que é um dos seus últimos filmes, que a um espectador que o encare
de forma pragmatica e gradual, nada verá além de uma mistura de imagens
sem rigor e sem método, tal qual um sonho. Talvez a forma de dominar a
estrutura filmica de Fellini seja encarar suas obras como divertidas
fantasias.
Titulo original: La Cittá Delle Donne
Ano de Lançamento: 1980
Gênero: Fantasia
País: Itália
Direção: Federico Fellini
Fonte: http://cinefiliacultura.blogspot.com/2010/12/cidade-das-mulheres.html
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