quinta-feira, 3 de novembro de 2011

A CIDADE DAS MULHERES

La Città Delle Donne, 1980
           Assistir a um filme de Fellini é como ter um sonho erótico polido, sem, contudo deixar de lado a obsessão pelo sagrado feminino. Exorcizado de padrões de beleza, que dão lugar as mais puras fantasias. Há de se dizer que a imagética feminina na visão de Fellini é dotada de misticismo. Figuras femininas aos montes, idolatradas a enxame de deusas em imagens que beiram ao inconsciente. O alter ego de Fellini (Marcello Mastroianni) representa o sexo masculino como um ser inadaptável num meio hipnótico e alucinante, dominado em quantidade pelas mulheres. No entanto, o homem não representa o Patinho Feio ou a interferência externa que compromete a perfeição da obra. O homem – e aqui me refiro a todo ser do sexo masculino - é a peça que dá sentido aos questionamentos femininos, sem com isso, tentar entende-los. Enquanto elas dominam, impõem suas vontades e desejos mais profanos, o homem assiste a tudo inerte, confuso e atordoado, porém maravilhado e entorpecido pelo espetáculo circense, espetáculo que só muitas mulheres livres de quaisquer princípios de condutas éticas e morais, reunidas num ambiente onde as leis da física não imperam podem oferecer.
        Fellini não nos presenteia com uma visão machista, nem tampouco feminista. Ele demonstra metaforicamente a visão que o homem tem da mulher e a posição social que elas assumem perante o homem, onde o homem é ora reverenciado ora julgado e a mulher é revolucionária, dotada de liberdade e poderes punitivos. Em A Cidade das Mulheres, Fellini – Mastroianni – Snapóraz se encanta por uma bela ragazza em um trem e ao descerem ele a segue pela floresta, entrando num prédio lotado de mulheres que participavam de uma convenção feminista. A partir daí, nem mulher nem homem é perdoado. Todos são estereotipados assumindo ambiguamente títulos de vitimas e culpados. A liberdade narrativa com uma falta total do senso de realidade permite representar exageradamente o conflito dos sexos, expondo os dois lados sob a ótica do sexo menos favorecido em quantidade: um homem em crise de meia idade, receoso a entender o universo feminino, que a toda hora busca fugir daquilo que ele caracteriza como um pesadelo.
          As mulheres de Fellini são as que ele vê em seus sonhos, por isso, são caricatas e estereotipadas. É assim que ele conseguia percebê-las. E de que forma melhor para mostrar a realidade do que num modelo que estabelece um padrão? Daí vem a imagem das feministas lésbicas que enquanto exemplificam a forma com que os homens subjugam as mulheres, procuram de forma animalesca novos nomes para a “Prometida”, da mulher oprimida que assume diversas tarefas no lar enquanto cumpre suas obrigações matrimoniais para com seu senhor, das adolescentes punks que levam o “tio” Mastroianni à beira de um ataque de nervos e as mulheres maduras, misteriosas, envolventes, cuja sabedoria causa medo. A esposa de Snáporaz mostra a dualidade da esposa prisioneira de sua própria condição e do homem que se sente impelido a trair frente a infelicidade da esposa.
É comum relacionar a estrutura de sonho como uma loucura grotesca, sem qualquer brecha para entender os objetivos do realizador. De fato, esse seja o filme de Fellini menos abastado de um alicerce narrativo. Não é a toa que é um dos seus últimos filmes, que a um espectador que o encare de forma pragmatica e gradual, nada verá além de uma mistura de imagens sem rigor e sem método, tal qual um sonho. Talvez a forma de dominar a estrutura filmica de Fellini seja encarar suas obras como divertidas fantasias.






Titulo original: La Cittá Delle Donne
Ano de Lançamento: 1980
Gênero: Fantasia
País: Itália
Direção: Federico Fellini

Fonte: http://cinefiliacultura.blogspot.com/2010/12/cidade-das-mulheres.html

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