Capricórnio
Chamaram os bombeiros, a polícia, as Forças Armadas. O que aconteceu
naquela casa era algo inédito no país. Tragédia não foi porque ele se
salvou milagrosamente. Mas ninguém entendeu porque juntou tantos
santinhos de políticos desde que esta propaganda de campanhas políticas
começou a inundar o país. Nem mesmo ele sabia. Depois de muito tempo no
hospital contou que um dia foi enfeitiçado pelo olhar de candidato a
vereador que se vestia num misto de curandeiro, vidente e mágico. Não
lembrava o nome. Nem poderia. Ele então passou a recolher toda a
papelada que via espalhada no chão nos dias de eleição. Ficou tão
conhecido pelo hábito que os garis fizeram acordo e lhe repassavam tudo
que recolhia. Comprou até uma Kombi para facilitar o transporte. Em casa
entupiu os cômodos – e recusava visitas por causa disso. Quando não
tinha mais espaço, começou a cavar no fundo do quintal e fez, sozinho,
uma espécie de bunker. Guardou, guardou, guardou e, jura, ouvia vozes
dos candidatos ao dormir. Eram as promessas que vinham embaralhadas num
coro que mais parecia o de torcidas em dia de clássico de decisão no
futebol. Até aquele dia em que descobriu elas. As traças. Isso o tirou
do delírio. Ficou louco, principalmente porque os bichinhos tinham se
interessado pelos olhos do candidato naquele papelzinho que o
hipnotizou. Ele começou a gritar e tentar adentrar aquele mundo de
zilhões de papéis. Alguém arrombou a porta e os santinhos começaram a
sair para a rua como se um dique tivesse se rompido. Foram precisos
vários caminhões para limpar a casa. Tudo foi incinerado em fornos de
siderúrgicas. Depois de algum tempo no hospital, ele voltou à vida
normal. Agora é candidato.
Nenhum comentário :
Postar um comentário