Escorpião
Na madrugada em preto e branco o motorista mantinha todas as janelas 
do carro abertas enquanto circulava sem destino pela cidade deserta. 
Usava uma jaqueta de couro, fumava de forma lenta e sentia prazer em 
controlar o carro americano antigo, quatro portas, volante enorme com 
aro cromado para acionar a buzina. Isso ele nunca fazia. Ao seu lado, no
 banco inteiriço, pacotes de dinheiro. Ele andava e, a intervalos não 
muito longos, apanhava um maço de notas e jogava para fora. Elas voavam 
ao sabor do vento. Ele nem olhava. Foi num dia de chuva que ele viu essa
 cena na tela de um cinema. O filme, japonês. Faz muito tempo. Não 
lembra o nome, não lembra o enredo, não lembra quantos anos tinha. Mas 
aquela abertura, sem fala, sem trilha, ficou para sempre em seu caráter.
 Ele nunca fez o mesmo, porque nunca teve, nunca roubou, nunca herdou, 
nunca nada. Mas sempre deixou o dinheiro no devido lugar, ao lado do 
banco, para ser tratado de acordo com a importância para a vida.
 
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