Por COSME ROGÉRIO FERREIRA
Na sexta-feira passada (dia 5), a Secretaria de Estado da Cultura (SECULT) promoveu a estreia dos cinco curta-metragens que foram selecionados no 2.º Prêmio de Incentivo à Produção Audiovisual em Alagoas. Foram eles: "Memórias de uma Saga Caeté", de Pedro da Rocha Oliveira; "Farpa", de Henrique Cavalcanti Almeida Oliveira; "Exu, Além do Bem e do Mal", de Werner Salles Bagetti; "O que lembro, tenho", de Rafhael Barbosa e Associação Cultural PopFuzz; e, finalmente, "Sobre Relógios, Sonhos e Liberdade", de Ailton da Costa Silva Júnior e Cine Clube Lampião Cultural, objeto de nossa pequena análise.
"Sobre Relógios..."
apresenta a rotina de um jovem e solitário sujeito (interpretado pelo
diretor Ailton da Costa, que também assina o roteiro) que trabalha num
escritório de contabilidade, que vive ordinariamente preso à rotina, e
que é atormentado por um sonho que o impede de distinguir entre o que é
real e o que é ilusão. O roteiro foi elaborado no mais conhecido
estilo graciliânico: seco, angustiado, revelando o barulhento e
cinzento silêncio da vida em Palmeira dos Índios.
Como em "Vidas Secas", há
a economia de palavras: das vozes humanas em contato direto com esse
sujeito, apenas se ouve a do chefe dando-lhe uma bronca, um burburinho
noutros ambientes sociais. Mas é só. No mais, aparece apenas a voz de
uma repórter na TV entrevistando um poeta e professor de filosofia, uma
personagem que interpreta a si mesma, misturando ficção e realidade e
jogando ainda mais com a pergunta: o que é real e o que é ilusão? O
protagonista não fala uma palavra. Mas sonha. Deseja. Lê. Ouve música.
Passeia pelos arredores. Anda na linha. Sonha que dorme na linha (olhe a
loucura!). Trabalha. E sonha. Trabalha. E sonha. E trabalha dormindo. E
sonha acordado.
É correto afirmar que
"Sobre Relógios, Sonhos e Liberdade" é um filme palmeirense, não somente
por ter Palmeira dos Índios como cenário, mas também por ser
totalmente produzido por palmeirenses, no sentido mais profundo que
esse adjetivo pode ter. Graciliano Ramos, o morador mais ilustre dessa
cidade histórica, já havia afirmado no início da década de 1920, quando
a cidade já tinha cinema (hoje, não mais!): "O Brasil é um país
fundamentalmente carnavalesco. Palmeira é uma cidade essencialmente brasileira.
Boa parte dos defeitos e das virtudes que no brasileiro se encontram,
em geral, o palmeirense possui, em particular". Mais tarde, em seu
primeiro romance, "Caetés", cuja estória se também em Palmeira dos
Índios, Graciliano apresentaria o protagonista João Valério, que,
curiosamente (embora o roteirista afirme não haver lido ainda o livro)
tem muita semelhança com o protagonista anônimo do curta: trabalha como
guarda-livros, "vagabundeia por aqui, por ali, por acolá", é
introspectivo e movido pelo desejo de "devorar" o patrão. Também
prefigura no filme o tema do suicídio, trabalhado tanto em "Caetés"
quanto em "São Bernardo", e presente na Teoria Social desde os
clássicos, com Durkheim, bem conhecido de Ailton da Costa, que também é
mestrando em sociologia da UFAL.
Apesar se sentir-se
inadequado, não cabendo em nada (nem em seus sonhos), o que esse
palmeirense faz para modificar a sua situação? Como João Valério, ele
não faz nada. Apenas vai deixando a vida lhe levar, vítima do
sofrimento populacional que aflige a cidade. No entanto, parafraseando o
que Pierre Bourdieu disse de Sartre, o mal-estar que essa obra
expressa é o mal-estar de ser no mundo, não o mal-estar de ser
intelectual, onde tanto o protagonista de "Sobre Relógios..." como os
produtores do curta estão como um peixe na água.
Ledo Ivo nos alerta:
"Nada impede a criatividade". O grande po referiu-se à obra de estreia
de Graciliano Ramos para ilustrar que, do nada, o artista pode criar,
pode fazer o novo. Principalmente se esse lugar se chamar Palmeira dos
Índios: "No lugar onde nada acontece, aconteceu Caetés". Pois, hoje, no
lugar onde não há salas de cinema, está acontecendo uma efervescência
na produção cinematográfica. O Brasil tem o que assistir de Alagoas.
Aguardemos o que esses palmeirenses nos trarão por aí...
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