Por Rodrigo Carreiro
A marca registrada de Michelangelo Antonioni é a incomunicabilidade.
No dicionário informal dos cinéfilos de todo o mundo, essa palavra
complicada se tornou sinônimo dos filmes do cineasta italiano, por seus
retratos agudamente críticos dos valores da burguesia (o casamento, a
amizade, a família).
Antonioni vê o homem do século XX como um prisioneiro do código de condutas erigido pela sociedade em que vive. “Blow Up – Depois Daquele Beijo” (Blow Up, Inglaterra/Itália, 1966), que ele fez na Inglaterra, é talvez o mais instigante e transcendente dos filmes que fez, porque revolve a mesma temática com a habitual competência, mas consegue ir além disso.
Antonioni vê o homem do século XX como um prisioneiro do código de condutas erigido pela sociedade em que vive. “Blow Up – Depois Daquele Beijo” (Blow Up, Inglaterra/Itália, 1966), que ele fez na Inglaterra, é talvez o mais instigante e transcendente dos filmes que fez, porque revolve a mesma temática com a habitual competência, mas consegue ir além disso.
Antonioni baseou livremente a narrativa de “Blow Up” (uma expressão
que, traduzida livremente, pode significar “ampliação fotográfica”) em
um conto do escritor argentino Julio Cortázar. O contista inclusive
aparece nos filmes; ele é um dos mendigos retratados na série de fotos
que o protagonista, o fotógrafo de moda Thomas (David Hemmings), prepara
para um livro.
O longa-metragem é pesado, hermético e quase não tem diálogos. É um
passo firme de Antonioni para retratar o homem como um ser cujo
livre-arbítrio é uma ficção, uma teoria irrealizável, pois não existe
discurso ou ação que consiga praticar capaz de livrar-lhe do tédio, das
amarras sociais, e em última instância da própria noção de felicidade. A
felicidade, parece dizer Antonioni, só pode ser encontrada
fortuitamente, em breves instantes, e logo desaparece.
“Blow Up” é o retrato de um desses momentos, que aparecem muito
raramente na vida de Thomas. O sujeito é um dos mais ricos, famosos e
requisitados fotógrafos fashion da “swinging London” (o ambiente febril
vivido na capital inglesa, em meados dos anos 1960). Possui um Rolls
Royce conversível, uma bela casa, e tem dezenas de modelos gostosas
ajoelhando-se a seus pés. Em teoria, leva uma vida de sonho. Mas, na
prática, isso não poderia ser mais diferente. A vida de Thomas parece
mais um pesadelo sem fim.
Thomas é o retrato do cansaço. Não do cansaço físico, mas de um tipo
de cansaço bem mais difícil de derrotar: o cansaço moral. O cansaço da
alma. Ele tem tudo, mas não é feliz; vive em estado permanente de tédio.
Sua vida chique já se transformou em rotina, uma rotina na qual ele
está preso, sem que seus esforços desesperados para sair da letargia
surtam qualquer efeito. “Fiquem de olhos fechados que eu já volto”, diz
ele a um grupo de garotas, que posa nos estúdios chiques em que
trabalha, momentos antes de escapulir por uma porta e sumir durante o
resto do dia. Thomas trata funcionários e modelos à base de rompantes de
agressividade. Ele tem um comportamento angustiante.
Em um desses dias indolentes, em que acaba de comprar uma hélice
gigantesca apenas porque quer e pode (para romper a rotina), Thomas
acaba em um parque. Vê nele um casal se beijando, uma cena banal que,
mesmo assim, lhe excita. Ele fotografa tudo. É percebido pela mulher,
que tenta lhe pedir o filme. Ele recusa. Mais tarde, quando revela o
rolo e o submete a incessantes ampliações (daí o título original),
Thomas descobre que pode ter fotografado um assassinato em andamento. O
resto do filme será construído em torno das tentativas de Thomas em
desvendar aquilo que realmente fotografou.
O resultado da investigação é o que menos interessa a Antonioni.
O cineasta acreita que os esforços de Thomas para descobrir a trama por trás das fotos são a chave para o breve momento de felicidade que ele experimenta. Enquanto investiga o caso, Thomas sai da rotina e, por isso, é feliz. Obviamente, essa felicidade é um estado transitório, e o resultado da investigação pouco importa para o que vem a seguir: a volta da rotina e, por conseqüência, do tédio.
O cineasta acreita que os esforços de Thomas para descobrir a trama por trás das fotos são a chave para o breve momento de felicidade que ele experimenta. Enquanto investiga o caso, Thomas sai da rotina e, por isso, é feliz. Obviamente, essa felicidade é um estado transitório, e o resultado da investigação pouco importa para o que vem a seguir: a volta da rotina e, por conseqüência, do tédio.
Se for assistido como um suspense de três atos, portanto, o filme
está fadado à decepção; ele é, como bem lembrou o crítico Roger Ebert,
um conto de mistério sem o terceiro ato (ou seja, sem a solução final).
“Blow Up” aborda a natureza da realidade. O que é real? Algo que
fotografamos sem ver, e não podemos provar que vimos, pode ser
considerado verdadeiro? Há algo de filosófico nessa pergunta, algo de
metafísico, e Antonioni a responde a seu modo: lento, reflexivo,
silencioso, com um forte teor de crítica social.
O filme exibe uma curiosa semelhança temática e estética com o também
polêmico “A Tortura do Medo”, de Michael Powell. Ambos possuem um
fotógrafo como protagonista; são sujeitos incomuns, sociáveis na
aparência mas perturbados na essência, que desafiam as regras de conduta
sociais. Stanley Kubrick , em "Laranja Mecânica",
prestou homenagem a ambos os filmes.
A fotografia de cores exuberantes e movimentos de câmera elegantes de Carlo Di Palma é uma influência decisiva do épico kubrickiano.
A fotografia de cores exuberantes e movimentos de câmera elegantes de Carlo Di Palma é uma influência decisiva do épico kubrickiano.
O cineasta italiano retrata o ambiente instigante da “swinging
London” com um interesse quase antropológico. Repare como Antonioni
incluiu no enredo três longas seqüência representando a trinca de
valores fundamentais da época (sexo, drogas e rock’n’roll), chegando
sempre à mesma conclusão: nada, nem mesmo a energia da juventude e sua
febril vontade de contestação, é capaz de retirar o homem da prisão
social.
O longa-metragem, embalado por uma trilha discreta do jazzman Herbie
Hancock, é um conjunto de seqüências antológicas. O ensaio de Thomas com
a linda modelo Verushka na abertura; o quase sinfônico movimento de
Thomas para fotografar o casal no parque; o posterior jogo de sedução entre Thomas e a desconhecida; a frenética cena da revelação do filme; a
furiosa performance do grupo Yardbirds (com dois futuros ícones do
período, Jimmy Page e Jeff Beck, dividindo o palco); tudo isso compõe um
admirável e coeso mosaico cinematgráfico da melhor qualidade.
E tudo culmina como uma linda e poética seqüência de jogo de tênis imaginário que, de certa forma, resume toda a filosofia por trás do filme.
E tudo culmina como uma linda e poética seqüência de jogo de tênis imaginário que, de certa forma, resume toda a filosofia por trás do filme.
Vale ressaltar, ainda, o brilhante desempenho de David Hemmings no
papel de Thomas. Ele é a alma do filme e encarna perfeitamente a
frivolidade da ação retratada na tela. “Blow Up” ganha, em DVD, uma
edição apenas razoável, com imagem widescreen 9×16 restaurada, trilha de
áudio Dolby Digital 1.0 e dois trailers. Há ainda um comentário em
áudio do estudioso de Antonioni, Peter Brunette (sem legendas), e a
possibilidade de ouvir a trilha sonora isolada de Herbie Hancock.
Se você gosta de Antonioni, ou pretende descobri-lo, é uma ótima
opção. Mas vá com calma. Não procure respostas fáceis no filme e nem
espere uma narrativa óbvia, muito menos ágil. Antonioni faz parte do
seleto grupo de autores de cinema que melhor se aproximaram do conceito
de poesia.
Direção: Michelangelo Antonioni
Elenco: David Hemmings, Vanessa Redgrave, Sarah Miles, Verushka
Duração: 111 minutos
Elenco: David Hemmings, Vanessa Redgrave, Sarah Miles, Verushka
Duração: 111 minutos
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