Maria Luiza Ceciarelli (1931), aliás, Monica Vitti, sabia muito bem que
tinha problemas de fotogenia. Parece que o nariz dela era mais impotante
do que seu talento – um acidente de carro foi o responsável, mas ela
sempre se recusou a fazer um plástica como condição para ser aceita
pelos cineastas. Ela sabia que não podia competir com as maggiorate, as
peitudas (que as vezes eram boas atrizes), e também não tinha o tipo de
beleza da moda dos filmes tipo Belle ma Pevere (direção Dino
Risi, 1957). Enfim, além do nariz, no quesito busto Monica não podia
competir com Gina Lollobrigida, Silvana Mangano e Sophia Loren. Atriz de
teatro, Vitti também trabalha com dublagem para cinema – emprestaria
sua voz para filmes de Mario Monicelli (dublando Rossana Rory, a
personagem Norma de Eternos Desconhecidos, 1957), Federico Fellini (não descobrimos quem ela dubla, mas foi em Noites de Cabíria, 1957), Pier Paolo Pasolini (dublando Paula Guidi, a personagem Ascenza de Accattone. Desajuste Social, 1961) e Michelangelo Antonioni.
Estréia no cinema em Ridere! Ridere! Ridere! (mas o nome dela não aparece nos créditos, direção Edoardo Anton, 1955), mais alguns trabalhos para atelevisão e Una Pelliccia de Visone (direção Glauco Pellegrini, 1957). A seguir, na comédia Le Dritte
(direção Mario Amendola, 1958), Edna, Ofelia e Rina estão a caça de uma
marido – mas ainda não é o que procura Ofelia; isto é, Monica Vitti. Enfim, sua obra gira em torno da comédia, sendo puramente episódico
o trabalho com Antonioni. E foi em tom de comédia que Vitti atuou em Noi Donne Siammo Fatte Così
(direção Dino Risi, 1971), em pleno auge do feminismo seu papel
criticava os esteriótipos femininos, inclusive no cinema. (acima, à
esquerda, Vitti em Fata Sabina, episódio de As Rainhas, Le Fate, 1966; à direita, O Cinturão da Castidade, La Cintura di Castità, 1967; Abaixo, Modesty Blaise, 1966)
O cineasta Antonioni, com quem viria a se casar, conheceu Vitti durante o processo de dublagem de O Grito
(Il Grido, 1957), ela faz a voz de Virginia, interpretada pela atriz
Dorian Gray, a dona do posto de gasolina. Segundo uma declaração um
tanto vaga de Glauber Rocha, no que diz respeito a sua carreira no
cinema, Monica Vitti é um produto do neo-realismo - provavelmente
ele se refere ao assim chamado “neo-realismo rosa”. Mas ela vem da
escola de teatro, a atriz chegou a dizer que só queria fazer teatro.
Antonioni teria sido o responsável por fazê-la mudar de idéia em relação
ao cinema. Contudo, o cineasta chegou a escrever para ela uma peça de
teatro, Scandali Segreti (1957), antes de confiar-lhe um papel em A Aventura (L’avventura, 1960).
Para Antonioni, Vitti atuaria ainda no mundo sem comédia de A Noite (La Notte, 1961), O Eclipse (L’eclisse, 1962), O Deserto Vermelho (Il Deserto Rosso, 1964) e O Mistério de Oberwald (Il Mistero di Oberwald, 1980). A atriz recusava papeis maternais, em O Deserto Vermelho ela simplesmente não consegue ser a mãe de seu pequeno filho, enquanto
em O Fantasma da Liberdade (direção Luis Buñuel, 1974) ela faz uma mãe
que demite a babá desatenta que permitiu que um homem estranho
entregasse cartões postais para sua filha no parque de diversões – mas
que, em seguida, juntamente com seu marido, se excita com as imagens.
Inicialmente, ela recusou o papel, mas apenas porque tinha medo de
viajar de avião. Como não conseguiu substituí-la, Buñuel insistiu,
dizendo que gostava do modo erótico com que ela olhava e tocava as
coisas – uma expressividade fascial que também chamou atenção de
Antonioni. Mas Vitti explicou ao cineasta espanhol que a causa era
um forte astigmatismo!
Vitti atuou em toda a trilogia da incomuncabilidade, foi Claudia em A Aventura (imagem acima), Valentina em A Noite e Vitória em O Eclipse. Próximo do final de A Aventura,
Sandro se entretém numa noite mundana enquanto Claudia (Monica Vitti)
dorme no quarto do hotel. Ela acorda de madrugada e constata a ausência
dele. Quando Antonioni nos traz a imagem de Vitti a partir do close da
mão dela, Florence Mauro sugere a evocação do maneirismo florentino de
um Pontormo (1494-1557). Em seguida, a mão sobe na direção do
travesseiro, mas antes puxa o lençol e cobre parte do rosto da atriz –
deixando bem a vista o nariz dela e seus olhos, quem sabe uma provocação
aos produtores e cineastas que não olharam para o talento da atriz. Ela
se agita, apoiada no cotovelo vira o rosto para cá e para lá e deixa a
cabeça cair novamente no traveseiro. No plano seguinte, de costas para
nós, vemos apenas seus cabelos (ela acendeu a luz do abajur para ver as
horas), como se o olhar direcionado a ela fosse de um homem posicionado
atrás dela. Antonioni removeu qualquer embaraço e contemplou a mulher
que ama enquanto se revelava. Ele observa os movimentos do corpo e dos
olhos daquela mulher. Na opinião de Florence Mauro, o cineasta reserva
para si com pudor a exclusividade da nudez da atriz.
Claudia caminha pelo quarto, abraça e cheira uma camisa de Sandro,
depois se encara no espelho e rapidamente passa à tarefa mais
tranquilizante de avaliar a juventude da pele de seu rosto fazendo
algumas caretas. Então acompanhamos enquanto ela conta o tempo
escrevendo números - a revista está aberta numa matéria sobre Jean
Harlow (1911-1937), a diva do cinema norte-americano, a Marilyn Monroe
antes da Marilyn. Então Monica olha para o teto, oferencendo a garganta
ao cineasta (e aos espectadores). Enquanto isso, Sandro está passando a
noite a receber favores remunerados de uma prostituta. Contudo, Florence
Mauro acredita que se pode considerar que o autor-cineasta-espectador
Antonioni se aproveitou da ausdência de Sandro e assumiu o papel de
amante. O pudor do cineasta passa pela exclusividade se seu olhar sobre
sua atriz – neste caso, a mulher que ele ama. Florence vai além, sem
dúvida e sem ironia foi o amor de Antonioni que o teria levado, na
seqüência anterior, a cobrir Claudia/Monica com uma camisola. A mão nua
sobre o travesseiro branco marca a ausência do amante, mas este poderia
ser aquele que olha a mulher e não mais Sandro. Desta intimidade,
conclui Florence, nasce o único despudor de toda a seqüência.
Nos anos do milagre econômico italiano do pós-guerra o cinema daquele
país retratar uma sociedade orientada cada vez mais para o sucesso
material. Especialmente a comédia, que atuava contra o status quo ao
tornar público aquilo que antes estava oculto. Nas palavras de Jaqueline
Reich, as atrizes que estrelavam essas comédias eram a personificação
de uma nova dinâmica nacional baseada numa numa corporalidade feminina
altamente sexualizada, que simbolizava o orgulho nacional, modernidade e
fecundidade, refletindo uma naturalidade em harmonia com a paisagem
italiana. Os papéis de Vitti em comédias são menos lembrados (ou
pelo menos comentados) do que os de outras estrelas como Lollobrigida e
Loren. Marcia Landy observa que se falou mais das participações de Vitti
nos filmes de Antonioni do que se escreveu sobre o trabalho dela como
astriz cômica. Ela mesma, ao comentar em 1982 sobre a recepção na Itália
dos filmes em que atuou, disse que as comédias italianas são mais
respeitadas na França do que no próprio país. Ainda assim, para
Landy a carreira de Vitti é instrutiva sobre as mutações do estrelato em
relação à feminilidade na comédia popular do final dos anos 60 e começo
dos 70 do século passado.
A carreira de Vitti como comediante foi encorajada por Antonioni e
auxiliada pelo cineasta Alessandro Blasseti. Afastando-se da imagem
tradicional de namoro, casamento e maternidade, seus papéis nas comédias
estão direcionados à figuras sedutoras, manipuladoras e aventureiras ao
estilo dos filmes de James Bond. Na opinião de Landy, através da
comédia Vitti oferecia um outro rosto ao estrelato. Um que também servia
bem para parodiar fórmulas de gênero e imagens tradicionais da
feminilidade, produzindo versões modernas transgressoras que desafiavam o
poder masculino. Landy cita como exemplos seus papéis em Modesty Blaise (direção Joseph Losey, 1966), La Ragazza con la Pistola (direção Mario Monicelli, 1968), La Damma Scarlatte (direção Paul Valère, 1969) (imagem acima), Dramma della Gelosia (direção Ettore Scola, 1970) (imagem abaixo) e Polvere di Stelle
(direção Alberto Sordi, 1973), filme que marcou seu estilo bem falante e
atirado (incluindo dança e canto), para além de seus personagens
indecifráveis nos filmes de Antonioni. Após trabalhar em produções
italianas, francesas e britânicas, no começo dos anos 80 seu estilo de
comédia (e sua carreira) entram em declínio, mas ela continua no teatro e
na televisão.
Landy acha que o papel de Vitti como uma mulher siciliana vingativa em La Ragazza con la Pistola lembra Seduzida e Abandonada
(Sedotta e Abbandonata, direção Pietro Germi, 1964). É como se a atriz
estivesse fazendo a paródia de uma paródia, se Germi criticava o código
de honra siciliano, cinco anos depois La Ragazza apresenta
Assunta, uma mulher desonrada que se vinga do machão siciliano. O papel
de Vitti neste filme está em consonância com uma tendência de sua
carreira, suas personagens se movem mais e mais para longe das
concepções de feminilidade provenientes do sul da Itália. Com este
filme, Vitti alcançou maior reconhecimento do que com suas participações
nos filmes de Antonioni, além do que Monicelli inseriu a atriz em
Londres em pleno 1968, contribuindo para que a imagem dela ficasse
ligada ao questionamento dos esteriótipos tradicionais da cultura
italiana. Assunta passa de encarnação da feminiladade sulista (italiana)
à mulher liberada, liberando-se da carga do passado. Para Landy, La Ragazza
é o exemplo de um novo tipo de comédia que surgia no final dos anos 60 e
começo dos 70, colocando em pauta o que Angelo Restivo e Gian Piero
Brunetta identificaram como efeitos da nova cultura do consumo, que
utilizava o sul do país e a feminilidade para explorar novas imagens da
nação. “Transportada para um meio exterior, as excentricidades cômicas
de Vitti identificam sua persona com os efeitos do ‘milagre econômico’
que trouxe à existência, para melhor ou pior, novas formas de moralidade
sexual”.
Fonte: http://cinemaitalianorao.blogspot.com/2011/07/monica-vitti-trajetoria-de-uma-loura.html
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