Embora este mestre de nossas HQs
seja pouco conhecido pelo grande público, seu traço original e inovador o
coloca ao lado de gênios fundadores como Jack Kirby, Hugo Pratt e Osamu
Tezuka. É tentador imaginar que, caso tivesse nascido nos Estados
Unidos, Europa ou Japão, Colin seria hoje um autor reconhecido e
aclamado internacionalmente. Por outro lado, é impossível deixar de
constatar que o traço mais característico de seu trabalho era justamente
seu caráter intensamente brasileiro.
Desde muito jovem, Colin gostava de ler e desenhar Quadrinhos,
mas só a partir de 1959 ele pôde dedicar-se profissionalmente a essa
paixão. Em maio daquele ano, foi lançada a primeira edição de As Aventuras do Anjo,
a adaptação quadrinística de um popular seriado da Rádio Nacional. Já
nessa primeira série, o desenhista exibia um traço sintético que
valoriza os contrastes entre massas de preto e espaços em branco.
Admirador confesso de mestres como Milton Caniff (Terry e os Piratas) e
Chester Gould (Dick Tracy), Colin não se limitava a copiá-los.
Apresentando um estilo quase cartunístico e uma ambientação cotidiana,
ele imprimiu ao Anjo um visual moderno, povoado de tipos bem
brasileiros. Curiosamente, naqueles primeiros anos, seus desenhos
receberam críticas de editores por serem “estilizados demais”, não
correspondendo ao “gosto dos leitores”, que supostamente tenderiam a
preferir o realismo tradicional. Nas últimas décadas, porém, à medida
que o Brasil se modernizava, passamos a gostar e nos identificar cada
vez mais com o estilo moderno de seu traço. Colin estava à frente de seu
tempo!
No início dos anos 60, Flavio Colin firmou de vez sua técnica, em trabalhos como a adaptação do seriado televisivo O Vigilante Rodoviário e a saga regionalista Sepé, além de suas primeiras HQs de terror e da série de tirinhas Vizunga.
Mas em 1964, com a derrota do movimento de valorização dos Quadrinhos
nacionais e o fechamento das editoras a desenhistas brasileiros, o
artista teve que interromper sua carreira quadrinística para trabalhar
como ilustrador publicitário. Apesar de “detestar” o desenho
publicitário, Colin só retornaria aos Quadrinhos quinze anos mais tarde.
Felizmente, ao invés de sufocar o quadrinhista, os anos na publicidade
apenas fizeram aumentar sua vontade de desenhar HQs. Quando retornou à
sua grande paixão em 1978, ele realizou alguns de seus trabalhos mais
conhecidos, em colaborações para revistas de terror como a Calafrio ou nos desenhos para álbuns épicos como A Guerra dos Farrapos.
Contudo, nos anos 80, os altos e baixos do mercado editorial
novamente afastaram Colin das bancas de revistas. Ainda assim, nas duas
décadas seguintes, o grande mestre presenteou-nos com seu traço
inconfundível, em revistas de tiragem limitada ou edições independentes,
como Hotel do Terror, A Mulher-diaba no rastro de Lampião, O boi das aspas de ouro, Fawcett, Estórias Gerais e Fantasmagoriana
– obras-primas do desenho em Quadrinhos, que poderiam constar de
qualquer antologia internacional. Mais uma vez, a força de seu traço se
destacava como a expressão simbólica de uma verdade sociocultural e
ambiental: a poética de um Brasil que se revela vivo e único, a despeito
de todas as adversidades e influências estrangeiras.
Flavio Colin faleceu na manhã de 13 de agosto de 2002, aos 72 anos,
de problemas respiratórios agravados por um enfarte. Artista único,
apesar dos vários prêmios que recebeu, em vida ele não teve o merecido
reconhecimento, talvez justamente por ter se dedicado com tanto amor à
desprestigiada arte dos Quadrinhos. Para justificar sua própria
insistência em desenhar HQs, o velho mestre costumava dizer: “Quadrinho é minha cachaça”.
O grande desenhista deixou saudades nos amigos e camaradas de
Quadrinhos, além dos muitos fãs que aprenderam a admirar seu estilo
originalíssimo. Ficou também a triste certeza de que Flavio Colin foi um
daqueles raros talentos geniais que o Brasil produz, mas não sabe
valorizar devidamente.
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