Paul Cadmus, fotografado por Carl Van Vechten em 1937
A descoberta daqueles que chamo de tesouros escondidos, os obscuros maravilhosos,
os que caem por entre as malhas da historiografia da arte ou poesia,
dá-se em geral por acaso. Surfa-se a Rede de Computadores, cheia de
informações inúteis, até que se pousa no espaço pessoal de algum
camarada generoso que se dispõe a compartilhar suas descobertas, e assim
chegamos a criadores que passam a fazer parte indelével do nosso banco
de imagens, sons ou textos. A primeira reprodução que vi de um quadro de
Paul Cadmus é um de seus mais famosos, intitulado Jerry, de 1931.
Jerry, 1931
Não me lembro mais onde o descobri, mas lembro-me do contexto: ele
ilustrava um artigo sobre o Dia de Bloom, ou Bloomsday, a celebração
anual do romance de Joyce todo 16 de junho. O quadro retrata o namorado
de Cadmus à época, o também pintor Jared French, lendo o famoso Ulysses
(1922). Há, em minha opinião, uma delicadeza iluminada e, ao mesmo
tempo, uma forte carga erótica na pintura, talvez emanando do casamento
entre a técnica de Cadmus, a têmpera, que há séculos fora substituída
pela pintura a óleo, e sua insistência no figurativismo, a luz
explodindo sobre o corpo de Jared French enquanto lia um romance que,
não podemos esquecer, àquela altura (1931) ainda estava banido por ser
considerado literatura pornográfica. Seu trabalho une uma imagética que
já foi chamada de surrealismo por uns, por realismo mágico por outros,
mas que, pelo menos neste lindo quadro de 1931, seria melhor comparada,
ligada ou pareada à Neue Sachlichkeit
(Nova Objetividade) de pintores alemães como Christian Schad ou Rudolf
Schlichter. Mesmo certas pinturas da primeira fase de Otto Dix, tão
associado ao Expressionismo germânico, parecem seguir linhas parecidas à
sensilidade de Cadmus. Vejamos, como exemplos, o retrato de Bertolt
Brecht que Rudolf Schlichter pintou na década de 20, e o famoso Sonja
(1928), de Christian Schad:
Rudolf Schlichter, Retrato de Bertolt Brecht (1926)
Christian Schad, Sonja (1928)
Como era de se esperar do modernismo europeu, com artistas que tiveram
que sobreviver a uma Grande Guerra, e especialmente o germânico, há
menos luz em Schlichter e Schad, assim como a sátira social de Dix seria
em muitos aspectos mais apocalíptica que a Cadmus. Mesmo assim, o
trabalho de Cadmus e de alguns de seus companheiros, como o já
mencionado Jared French, ou ainda George Tooker, poderiam ser irmanados
em sua crítica social por meio da sátira e da caricatura ao trabalho de
alguns destes pintores germânicos, tanto da Neue Sachlichkeit como do Expressionismo.
The Fleet´s In (1934)
Paul Cadmus nasceu em Nova Iorque em 1904. Começou a se tornar conhecido quando seu quadro The Fleet´s In
(1934), postado acima, foi retirado da coleção da Corcoran Gallery por
ser considerado pornográfico. Ainda que isso trouxesse certa
publicidade, o estilo de Cadmus, a prática da têmpera, sua insistência
no figurativo e sua temática homossexual o tornariam um outsider
na Historiografia da Arte norte-americana, e apenas nos últimos anos o
pintor tem recebido atenção, com retrospectivas e publicações em livro.
Bar Italia (1953)
Aspects of Suburban Life (1936)
Sailors and Floosies, 1938
Bicyclists, 1932
Night in Bologne, 1948
The bath (1951)
Finistère, 1952
Fences, 1946
The Haircut, 1986
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