por Zé da Silva
Touro
Entrou na nave perto da estação do Braz. Tinha 9 anos. O pai não lhe
largava a mão. O pai era um gigante. Cortou o Brasil de baixo para cima.
O piloto era um moreno forte e foi um herói de carne e osso na
travessia por um Brasil que jamais imaginou. Dirigiu sozinho durante uma
semana inteira e o uniforme sempre estava impecável, como o quepe de
escudo metálido a iluminar o alto da testa na cabeça grande e
redonda. As luzes, as cores, os cheiros, as comidas, as pessoas mudando
de sotaque, as grandes retas, as curvas, montanhas, sol, sol, sol, rios,
matas, pobreza, a comida diferente da de casa, as camas duras em hotéis
sem nome, uma criança chorando, um peito saindo do vestido, e nunca o
cansaço. Na madrugada chegou lá, de onde disseram que todos da família
vieram. Cidadezinha no pé do morro, casas subindo ladeira, praça
arborizada, igreja da matriz apontando a torre em direção a Deus seja
louvado. Um jipe foi achado. Cinco quilômetros para o sítio que tinha um
telhado tão baixo… Os cachorros latiram na aproximação do terreiro. Uma
mangueira centenária protegia a pequena casa. A parte de cima da porta
se abriu e a luz do candeeirio iluminou o rosto de índia da avó. Nas
semanas seguintes foram aventuras por onde ainda havia mato, foram
carreiras levadas da galinha que protegia o pintinho, fruta do conde
comida e uma intoxicação curada com uma injeção do tamanho do medo. O
passeio a cavalo, sem sela, rendeu ferida no rabo, uma prima distante
virou namoro sem palavras, sem nada, apenas corações batendo sob um sol
inclemente. Na volta o ônibus atrasou, muito tempo no hotel vagabundo,
depois uma viagem onde até um anjinho morreu dentro da nave e ficou no
meio da percurso enquanto os pais, movido a galinha e farinha seca,
sonhavam em chegar logo à cidade grande. Nunca mais esqueceu isto. Era o
seu Brasil. Bruto, pobre, poético, de cores fortes. Foi o que formou
sua couraça interna. Para identificar e proteger da maioria.
Fonte: http://jornale.com.br/zebeto/2009/08/08/horoscopo-167/
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