Escorpião
Enfiaram um Michael Jackson na veia. Não teve tempo de ouvir nada. A
morte é assim, pensou depois. Como antes da vida. Nada. Mas voltou no
meio da cirurgia. Estava atrás dos doutores. Olhando a si mesmo. A parte
interna do corpo exposta num corte enorme. O ser humano é isso, pensou.
Entranhas, ossos, sangue. A capa que colocaram em cima, um disfarce
mais feio ainda. Um monitor informava que estava vivo. Ele pensou que
não. Mas quem pensou? Foi costurado como se o corpo estivesse em cima de
um caminhão em movimento em estrada de terra e pedra. O médico olhou
para o relógio. Tinha encontro? Queria tomar uma para aliviar a tensão?
Queria falar mas se sentiu como naquela madrugada quando jura ter visto a
avó morta há tempos sentada na beira da cama. Saíram todos. Olhou para
si mesmo e teve vontade de beijar sua testa. Fez isso. Abriu os olhos.
Sentiu dor, mas descobriu-se vivo. Pensou: “Estou no lucro”. Lembrou
apenas da picada para a entrada do Michael Jackson na forma de líquido
parecendo leite de magnésia cor de rosa. Mas havia algo estranho. Na
testa. A sensação de que fora beijado.
Nenhum comentário :
Postar um comentário