por Zé da Silva
Gemeos
Vestiu branco e foi para o bueiro. Não esperou o sinal. Arrancou a
tampa e pulou. Estava de salto alto. Quebrou os dois. Um rato mostrou os
dentes, mas estava espetado. Azar dele. Ela seguiu em frente.
Acocorada. O cheiro era insuportável. Mas tinha sonhado a vida toda com
isso. Desde que viu o filme. Com aquela que depois cantou para o
presidente, casou com jogador de beisebol, dramaturgo e morreu sozinha.
Não queria isso. Morrer sozinha naquela vila de subúrbio. O vestido
alugou com cheque sem fundo. Pintou o cabelo sozinha. Ficou mais para
verde, mas ninguém iria ver. O plano começou na madrugada fria e de
neblina. Tinha uma lanterna. Percorreu o canal até perder completamente
as forças. Não sabia onde estava. De repente notou que à sua frente, bem
distante, havia outra luz. Que se movimentava. Ficou com medo. Aquilo
parecia o farol de um trem, pois aumentava de intensidade com o passar
do tempo. Fechou os olhos. Ouviu os passos que chegaram ao seu lado. E
uma respiração ofegante. Tomou coragem e abriu. Era um homem. Bem
vestido. De terno escuro, gravata discreta, nó perfeito. Ele
estendeu-lhe a mão. Ela notou um relógio clássico. Parecia ouro. “Vim te
buscar”, ele disse. Ela foi. Mais à frente havia uma escada. Eles
subiram. A brisa da manhã limpou a alma dos dois. Ele apontou para um
carro. Importado. Abriu a porta para ela. Ligou a máquina. Pouco ruído.
Saiu devagar. Colocou uma música. Sinatra. Strangers in the night. Olhou
para ela e disse: “Eu sempre tive um sonho”.
Fonte: http://jornale.com.br/zebeto/2009/08/05/horoscopo-164/
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